domingo, 13 de janeiro de 2013

QUANDO O PROBLEMA É A SOLUÇÃO




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Muitas vezes as pessoas ficam de mal humor quando têm um problema. Na verdade deveriam bendizê-lo como um mensageiro de esperança.


Abraçar-se com o desconforto, e acomodar-se com ele, é o que pode ser sinal perigo. O desconforto gera mudança, o conforto, permanência. Retroalimentação negativa, em linguagem sistêmica.

Bem vindos os problemas que nos tiram da acomodação disfuncional. É possível que as pessoas se acostumem ao seu sofrimento, às coisas que não lhe agradam nem lhe fazem bem, após um tempo envolvidos com eles. Nem se dão conta, mas o mal estar passou habitá-las e paralisou-as.
 Ao tratar do tema do conforto e desconforto, sempre me lembro do poema de Marina Colasanti, “Eu sei, mas não devia”: 
 
Eu sei que a gente se acostua. Mas não devia.
 A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.
  A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.
(...)
A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.
(…)
A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá.
(...)
A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.


Saber não faz mudança. Bem vinda é a desacomodação que tira do marasmo e coloca em movimento. Quem transforma o desconforto em desafio a ser superado está a caminho da mudança necessária à transformação da vida.
Certa estória ilustra bem esta situação:

Certa vez, Mestre & Discípulo peregrinavam por distantes pastagens quando um dia encontraram acolhida em um casebre habitado por uma família muito simpática mas que (sobre)vivia em parcas condições de miséria. Embora fossem boas pessoas, seus recursos materiais eram aparentemente limitados, a pobreza era o seu cotidiano e mal se sustentavam graças a uma única e magrela vaca a qual fornecia o leite que servia de alimento e o pouco que sobrava era vendido por uns trocados.
Na hora de partirem, o Discípulo apiedado da situação daquelas pessoas, perguntou ao Mestre se algo podiam fazer por eles.
O Mestre em sua sabedoria disse:
- Jogue a vaca no precipício....
- Mas Mestre... - interpelou o Discípulo.
- Jogue a vaca no precipício.... ou suma com ela!- Reiterou o Mestre.
O discípulo, sem compreender a intenção do Mestre cumpriu seus desígnios ainda que muito contrariado.
E assim, a vaca foi para o brejo, ou seja, sumiu. E a família ficou sem ela.
Os anos se passaram. Desde aquele incidente o Discípulo não mais tivera paz em seus dias, sentindo remorso por ter privado aquela família bondosa de sua única fonte de sobrevivência.
No intuito de se redimir e obter o perdão, o Discípulo resolveu então voltar àquela erma região e encontrar aquelas pessoas que com as quais havia cruzado o caminho e interferido em suas vidas de forma tão brusca.
Mas, para seu espanto, o Discípulo não conseguiu reconhecer a região. Onde antes havia uma região árida, encontrou terras cultivadas. Próximo de onde era o casebre, um palacete.
Sua angústia tornou-se então ainda maior. Supôs que a família fora obrigada a vender a casa e o terreno, visto que não tinham mais a vaca para sobreviver.
Decidido então encontrar pistas do paradeiro daquela pobre família, o Discípulo resolveu interrogar os novos moradores.
Aproximou-se da bela casa e encontrou seus proprietários na piscina, divertindo-se.
O discípulo então levou o maior susto: Eram as mesmas pessoas, aquela "mesma" família que antes encontrara, agora com aparência mais saudável e feliz.
Sem nada entender, o discípulo perguntou pelo milagre ocorrido naquele lugar.
- Que milagre que nada - respondeu o pai de família, com sorriso no rosto. - Certo dia, quando acordamos descobrimos que aquela nossa vaca, da qual tirávamos nossa sobrevivência, havia desaparecido. Diante disso, arregaçamos as mangas em busca de novas soluções, trabalhamos muito, voltamos a estudar e criar formas alternativas de produção e fomos ao longo do tempo prosperando e hoje somos donos de todas essas terras que nos cercam...
- Tudo isso começou depois que a vaca foi para o brejo... No dia em que deixamos a acomodação de lado e decidimos agir e viver a plenitude de nossas potencialidades !!!
E o Discípulo, então, compreendeu a sabedoria do Mestre.

Dar a si a chance de ser diferente é enfrentar o desconforto e transformá-lo em instrumento de busca pela mudança necessária. Não é necessário esperar que a vida de um empurrãozinho transformando tudo em desolação e destruição, e em não havendo outra saída, obrigar à reconstrução. É possível transformar o desconforto em desafio à mudança, mesmo quando tudo não seja o caos final da destruição.


O ser humano é um ser criativo, e pode aplicar a sua criatividade em benefício de si mesmo. Luiz Fernando Garcia lembra que uma característica comum a pessoas de sucesso é: “quando vencem um desafio, chamam logo pelo próximo”. E alerta: “é preciso abraçar cada dia como um desafio”. E os desafios, - pedras no caminho -, estão para serem criativamente ultrapassados. “Pedras no caminho?” - Perguntou Fernando Pessoa, e logo respondeu: “Guardo todas, um dia vou construir um castelo...” .


A resiliência é uma qualidade que habita aqueles que crescem com os seus desafios de vida. A luta é parte da vida, não sendo privilégio de poucos. Porém, não ser derrotado pelas lutas é o benefício das pessoas que usam as suas capacidades humanas, e os seus talentos, para ao invés de reclamar das condições de vida, toma-las em suas mãos e criar saídas e novos caminhos de vida a partir delas. Pensando metaforicamente é possível dizer: há os que reclamam do estrume, e há os que transformam o estrume em adubo para que a VIDA floresça.




Referências:

COLASANTI, Marina. Eu sei, mas não devia. Disponível em http://www.releituras.com/mcolasanti_eusei.asp Acessado em janeiro de 2013.

E a vaca foi para o brejo. Disponível em: http://openlink.br.inter.net/marcosgatti/vaca.htm Acessado em janeiro de 2013.

GARCIA, Luiz Fernando. Pessoas de resultado: o perfil de quem se destaca sempre. São Paulo: Gente, 2003.

PESSOA, Fernando. Pedras no caminho. Disponível em: http://recreiodasletras.wordpress.com/2009/02/28/fernando-pessoa-pedras-no-caminho/ Acessado em janeiro de 2013.