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Muitas vezes as pessoas ficam de mal humor quando têm um problema. Na verdade deveriam bendizê-lo como um mensageiro de esperança.
Abraçar-se com o desconforto, e acomodar-se com ele, é o que pode ser sinal perigo. O desconforto gera mudança, o conforto, permanência. Retroalimentação negativa, em linguagem sistêmica.
Bem vindos os problemas que nos tiram da acomodação
disfuncional. É possível que as pessoas se acostumem ao seu
sofrimento, às coisas que não lhe agradam nem lhe fazem bem, após
um tempo envolvidos com eles. Nem se dão conta, mas
o mal estar passou habitá-las e paralisou-as.
Ao tratar do tema
do conforto e desconforto, sempre me lembro do poema de Marina
Colasanti, “Eu sei, mas não devia”:
Eu
sei que a gente se acostua. Mas não devia.
A
gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter
outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista,
logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não olha para
fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque
não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E,
à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a
amplidão.
A
gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na
hora. A tomar o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal
no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer
sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque
já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar
cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.
(...)
A
gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje
não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de
volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.
(…)
A
gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses
pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um
ressentimento ali, uma revolta acolá.
(...)
A
gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a
pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se
de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para
poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto
acostumar, se perde de si mesma.
Saber não faz mudança. Bem vinda é a desacomodação
que tira do marasmo e coloca em movimento. Quem transforma o
desconforto em desafio a ser superado está a caminho da mudança
necessária à transformação da vida.
Certa estória ilustra bem esta situação:
Certa
vez, Mestre & Discípulo peregrinavam por distantes pastagens
quando um dia encontraram acolhida em um casebre habitado por uma
família muito simpática mas que (sobre)vivia em parcas condições
de miséria. Embora fossem boas pessoas, seus recursos materiais eram
aparentemente limitados, a pobreza era o seu cotidiano e mal se
sustentavam graças a uma única e magrela vaca a qual fornecia o
leite que servia de alimento e o pouco que sobrava era vendido
por uns trocados.
Na
hora de partirem, o Discípulo apiedado da situação daquelas
pessoas, perguntou ao Mestre se algo podiam fazer por eles.
O
Mestre em sua sabedoria disse:
-
Jogue a vaca no precipício....
-
Mas Mestre... - interpelou o Discípulo.
-
Jogue a vaca no precipício.... ou suma com ela!- Reiterou o Mestre.
O
discípulo, sem compreender a intenção do Mestre cumpriu seus
desígnios ainda que muito contrariado.
E
assim, a vaca foi para o brejo, ou seja, sumiu. E a família ficou
sem ela.
Os
anos se passaram. Desde aquele incidente o Discípulo não mais
tivera paz em seus dias, sentindo remorso por ter privado aquela
família bondosa de sua única fonte de sobrevivência.
No
intuito de se redimir e obter o perdão, o Discípulo resolveu então
voltar àquela erma região e encontrar aquelas pessoas que com as
quais havia cruzado o caminho e interferido
em suas vidas de forma tão brusca.
Mas,
para seu espanto, o Discípulo não conseguiu reconhecer a região.
Onde antes havia uma região árida, encontrou terras cultivadas.
Próximo de onde era o casebre, um palacete.
Sua
angústia tornou-se então ainda maior. Supôs que a família fora
obrigada a vender a casa e o terreno, visto que não tinham mais a
vaca para sobreviver.
Decidido
então encontrar pistas do paradeiro daquela pobre família, o
Discípulo resolveu interrogar os novos moradores.
Aproximou-se
da bela casa e encontrou seus proprietários na piscina,
divertindo-se.
O
discípulo então levou o maior susto: Eram as mesmas pessoas, aquela
"mesma" família que antes encontrara, agora com aparência
mais saudável e feliz.
Sem
nada entender, o discípulo perguntou pelo milagre ocorrido naquele
lugar.
-
Que milagre que nada - respondeu o pai de família, com sorriso no
rosto. - Certo dia, quando acordamos descobrimos que aquela nossa
vaca, da qual tirávamos nossa sobrevivência, havia desaparecido.
Diante disso, arregaçamos as mangas em busca de novas soluções,
trabalhamos muito, voltamos a estudar e criar formas alternativas de
produção e fomos ao longo do tempo prosperando e hoje somos donos
de todas essas terras que nos cercam...
-
Tudo isso começou depois que a vaca foi para o brejo... No dia em
que deixamos a acomodação de lado e decidimos agir e viver a
plenitude de nossas potencialidades !!!
E
o Discípulo, então, compreendeu a sabedoria do Mestre.
Dar a si a
chance de ser diferente é enfrentar o desconforto e
transformá-lo em instrumento de busca pela mudança necessária. Não
é necessário esperar que a vida de um empurrãozinho transformando
tudo em desolação e destruição, e em não havendo outra saída,
obrigar à reconstrução. É possível transformar o desconforto em
desafio à mudança, mesmo quando tudo não seja o caos final da
destruição.
O ser humano é
um ser criativo, e pode aplicar a sua criatividade em
benefício de si mesmo. Luiz Fernando Garcia lembra que uma
característica comum a pessoas de sucesso é: “quando vencem um
desafio, chamam logo pelo próximo”. E alerta: “é preciso
abraçar cada dia como um desafio”. E os desafios, - pedras no
caminho -, estão para serem criativamente ultrapassados. “Pedras
no caminho?” - Perguntou Fernando Pessoa, e logo
respondeu: “Guardo todas,
um dia vou construir um castelo...” .
A resiliência é uma qualidade que habita aqueles que
crescem com os seus desafios de vida. A luta é parte da vida, não
sendo privilégio de poucos. Porém, não ser derrotado pelas lutas é
o benefício das pessoas que usam as suas capacidades humanas, e os
seus talentos, para ao invés de reclamar das condições de vida,
toma-las em suas mãos e criar saídas e novos caminhos de vida a
partir delas. Pensando metaforicamente é possível dizer: há
os que reclamam do estrume, e há os que transformam o estrume em
adubo para que a VIDA floresça.
Referências:
COLASANTI, Marina. Eu
sei, mas não devia. Disponível em
http://www.releituras.com/mcolasanti_eusei.asp
Acessado em janeiro de 2013.
E a vaca foi para o
brejo. Disponível em:
http://openlink.br.inter.net/marcosgatti/vaca.htm
Acessado em janeiro de 2013.
GARCIA, Luiz
Fernando. Pessoas de resultado: o perfil de quem se destaca sempre.
São Paulo: Gente, 2003.
PESSOA, Fernando.
Pedras no caminho. Disponível em:
http://recreiodasletras.wordpress.com/2009/02/28/fernando-pessoa-pedras-no-caminho/
Acessado em janeiro de 2013.