sábado, 26 de janeiro de 2013

Poesia: Queijo com goiabada- o amor em construção

Encontrar um amor autêntico
Mesmo quando serenidade e tribulação seguem lado a lado
É ganhar um presente
Tal qual um copo de água no deserto da VIDA.




Queijo com goiabada.
Chave na fechadura.
A sua agulha no palheiro.
VIDA em meio a morte que acontece a cada nascer
e a cada se por de um dia, no rítmo do envelhecer.



 

Não tem nada a ver com os sonhos Disney
Ou filmes à moda Holllywood.
É trabalho de individuação.
Busca de alma.
Encontro - na linguagem de Martin Buber.
Trabalho de construção.
Partilha
Companheirismo.
Riso mesmo quando a VIDA diz não.
Busca de caminhos pelos caminhantes.
Sopro de VIDA.
Sorriso... ahhhh!!! Só-riso.

Companheiros que acreditam que o sorriso lhes torna grandes por dentro.
O sorriso que lembra a esperança da VIDA.
Sorriso que diz que sim, sim é possível
Ser diferente
Viver diferente
Construir diferente
E findar a vida, com o gosto de missão cumprida.
Queijo com goiabada
.


por: Flávia Diniz Roldão


Flávia Diniz Roldão é psicóloga, psicoterapeuta familiar e de casais, professora universitária. Contato: flaviaroldao@gmail.com


Créditos das imagens (na ordem em que aparecem na página)


terça-feira, 22 de janeiro de 2013

PASSAGENS DA VIDA: de dor e encantamento

Numa terra um pouquinho distante e ÁRIDA, desertificada pela intensidade demasiada do calor do sol
Num dia NUBLADO, quando a brisa estava BRINCANDO DE VENTAR … e REINVENTAR …


De repente e SEM QUERER ela esbarrou numa caixa (bonita, porém ABANDONADA)
E sem querer, sem perceber, … a brisa entrou.


A caixa tinha um IMENSO ESPAÇO vazio
E no fundo dela, a parte do fundo da caixa: GEMIA profundamente  de DOR


Alguém já viu uma caixa ter dor?
Caixa geralmente não tem terminações nervosas, logo..., não teria de sentir dor.
Mas essa caixa tinha.
E foi justamente isso, justo isso... que ENCANTOU a brisa.
Essa era uma caixa diferente
Uma caixa que SENTIA !!!


Alguém um dia … havia aberto a tampa da caixa e entrado.
Entrou... e fez um enorme ESTRAGO
Uma enorme BAGUNÇA!
Não preencheu os espaços vazios e MACHUCOU a ALMA da caixa.
Depois se foi, deixando a caixa DOLORIDA, a alma ARDIDA, mofo nas bordas e sem tampa (aberta e exposta).

Quando alguém tocava no mofo das bordas, sujava suas mãos.
Quando ardia a alma da caixa, o ardor era tanto, que em volta FAZIA ECO
E quem chegava ao fundo da caixa, via que o fundo era feito de um material muito fofo, acolhedor, sensível, mas...
Altamente MACHUCADO, DOLOROSO, SOFRIDO.


A brisa quando brincando de ventar, de repente e SEM QUERER, entrou na caixa e viu TUDO ISSO.
CUIDADOSAMENTE voltou para trás, se retirou e colocou-se cuidadosamente ao lado, mas, como que abraçando e acolhendo a caixa com carinho.
OLHOU para ela, PEDIU LICENÇA pra poder ficar ali pertinho mais um pouquinho, ou quem sabe, mais um tantão de tempo.

E todos os dias o ar da brisa girava e colocava um ventinho suave, tranquilo e carregado de sustâncias terapêuticas que ela soprava pra dentro da caixa CUIDANDO dela.


A brisa começou a SONHAR com o dia em que a caixa estaria sarada de suas feridas, sem dores, sem mofo, e pronta para a brisa entrar e brincar, se aconchegando juntinho dela ali, devagarinho e carinhosamente.
Este dia seria um dia em que a caixa e a brisa poderiam brincar, sorrir, se ABRAÇAR e se ACONCHEGAR sem dores, sem ardume, mas com ALEGRIA e CELEBRAÇÃO da VIDA !


domingo, 20 de janeiro de 2013

Filme: A VIDA DURANTE A GUERRA

 
A vida durante a guerra (Life during wartime), Todd Solondz, EUA, Imagem Films, 2009.
 
Dias atrás quando fui fazer compras no supermercado, vi uma banca com filmes em promoção. A soma de férias, mais uma pessoa que ama assistir filmes e filme em promoção é = uma combinação perfeita. Comprei um filme a um preço bem menor que uma entrada para o cinema. Restava agora ver se o filme valia a pena pelo tempo dispendido na sua apreciação.
 
A vida durante a guerra é um filme sobre FAMÍLIA. Poderíamos fazer um trocadilho com o seu título, e chamá-lo "A guerra durante a vida" - lhe cairia muito bem. Impactante pela crueza no tratamento do tema. Mostra especialmente 2 mulheres (irmãs, lidando com suas famílias e tentando dar conta de suas relações afetivas), 2 homens absolutamente diferentes lidando com este tema da família (o ex-marido/pai e o futuro marido/padrasto), o impacto da realidade familiar sobre os filhos (1 garotinha, 1 garotinho e 2 rapazes, - 3 deles lidando com o fato de seu pai ser um pedófilo).
A indicação do filme é para maiores de 16 anos, e realmente faz bem ser seguida, visto que a película aborda o tema da família de forma absolutamente densa, devido aos desafios existenciais encenados. Toca no fato de pessoas em diferentes fases do seu ciclo vital e de diferentes gêneros, terem que dar conta de VIVER a vida mesmo quando a alma está em guerra, seja pelo assombro de ter que viver com uma doença (pedofilia, esquizofrenia...), ou de ter que conviver com ela na vida de pessoas da sua família, ou ainda ter que dar conta das relações amorosas estabelecidas e as respostas que necessita dar às indagações que lhes são feitas.

 
Por outro lado, aborda de maneira singela e profunda os medos que as vezes passam a habitar a vida dos pequenos e dos adultos, devido as experiências “traumáticas” vividas. E aqui faz lembrar que há na vida problemas que assolam as pessoas, não sendo uma escolha ter que lidar existencialmente com certos temas, e sim um fato existencial ao qual é preciso dar uma resposta enquanto continua a vida. Enquanto se está vivo.
 
Os diálogos de Timmy, o garoto que descobre que seu pai não está morto, como a mãe lhe havia dito, mas é um pedófilo, e antes do ritual do bar mitzvah i , indaga-se: O que é se tornar um homem ? Pedófilos são terroristas ? Os terroristas podem ser perdoados ? E indaga o futuro padrasto acerca de como ele lidaria com isso, enquanto projeta seus medos antigos na nova relação estabelecida com ele.
 
 
Outro ponto de discussão do filme: a reconstrução da vida conjugal numa segunda experiência de casal pós-divórcio e famílias reconstituidas. Aborda os encontros e o estabelecimento de laços de afetos entre dois adultos após suas experiências de divórcio (tocando nas entrelinhas, nas desolações, nos medos e nos desafios naturalmente colocados aos que passam por essa experiência, e o impacto desta na continuação da vida deles).


Aborda o tema também a partir do olhar dos filhos, quando as duas famílias com suas características e histórias peculiares, buscam se aproximar na constituição de um novo grupo famíliar, como uma preparação de ambas, para a união de Trish e Harvey. Momento de advento na vida do casal, na vida dos filhos, e na vida de ambas as famílias monoparentais.

Na conversa densa entre Timmy (o futuro entiado) e Harvey (o futuro padrasto), o filme explicita um ponto que tem merecido a atenção entre os terapeutas familiares nos casos do recasamento: não se trata de uma experiência simples ou fácil, e precisa ser conduzida com calma e serenidade. No processo, feridas do passado podem vir à tona na mente e emoção de todos os envolvidos (adultos e crianças), e podem ocorrer mal entendidos, se o passado não for cuidadosa e habilidosamente resignificado. Inclusive impedindo novas possibilidades mais felizes de vida de se concretizarem, com base em impressões advindas da falta de revisão de dores antigas que ainda se presentificam na vida dos envolvidos. Faz pensar que nestes casos, somente adultos verdadeiramente ADULTOS – maduros – conseguem dar conta de levar em frente eficazmente este processo do restabelecimento de novas oportunidades funcionais e saudáveis, de uma nova vida em família, através da reconstrução da conjugalidade e o restabelecimento da vida em famílias recasadas.

 
O garoto Timmy, detém boa parte dos diálogos densos no filme. Noutro momento, quando busca empatia e acolhimento em diálogo com seu “futuro irmão”, o filho de Harvey, novamente o menino abre a reflexão com o público sobre a complexidade no estabelecimento das relações entre os filhos de ambos os cônjuges, a circulação que ocorre quanto aos problemas anteriormente vividos por ambas as famílias, as formas diferentes de dialogar ou não e demonstrar afeto presentes em cada cultura familiar, bem como, de acessar ou não mais profundamente os problemas existenciais que os afetam.
 
Somando a isso, a trama ainda abre espaço para a volta de Bill, o pai que sofre a pedofilia, em busca de encontrar o filho mais velho para tentar saber o quanto ele foi afetado por experiências passadas. Delicado momento este encontro, e chama a atenção quando a funcionalidade e sanidade do filho é quase uma surpresa espantosa e de difícil compreensão para o pai, embora certamente um momento de alívio e felicidade. Aqui cabe destacar a lembrança da terapeuta familiar Fromma Walsh, de que estudos empreendidos com indivíduos resilientes nas duas últimas décadas “se contrapuseram à visão predominante de que os fatores de risco familiares e ambientais e os eventos negativos da vida produzem, inevitavelmente, transtornos na infância e na idade adulta.”
 
 
Na trama há ainda a história de Joy (a irmã de Trish), onde temas como culpa, saúde mental e o suicídio, são destacados.
 
O filme é indicado a todas as pessoas adultas. Especialmente as que trabalham com relações de ajuda e família. Mas vale a pena ver o filme em um dia em que você esteja bem, pois quando o filme termina, as reflexões continuam.
Pessoalmente acho que um outro título possível para a obra seria: “A vida depois da morte” - chamando a atenção para a luta dos personagens pela reconstrução e manutenção da vida, quando determinadas coisas (ideias, valores, sonhos, concepções, antigos relacionamentos) morrem dentro de si enquanto eles ainda estão VIVOS, e ainda respiram o sopro de vida. Neste sentido, o filme pode ser uma fonte útil para o início de uma discussão do tema da resiliência familiar. Lembrando que resiliência familiar é um conceito que aborda a capacidade da família “resistir aos desafios desorganizadores da vida e renascer a partir deles” (WALSH). Lembrando que a lente da resiliência familiar muda a perspectiva de se encaixar as famílias em situações de angústia como defeituosas, para encará-las como desafiadas, ratificando seu potencial para o reparo e o crescimento. (…) Em vez de nos concentrarmos em como as famílias fracassaram, podemos dirigir nossa atenção para como elas podem ter sucesso. (…) Ao construir a resiliência, nós nos esforçamos para integrar a plenitude da experiência de uma crise no tecido da nossa identidade individual e coletiva, o que vai influenciar a maneira como vamos seguir vivendo nossas vidas.” (WALSH).
Todo momento de crise é um momento de perigo e oportunidades, simultaneamente. São momentos em que as pessoas são chamadas a refletirem profundamente sobre suas questões existenciais, não necessariamente por que desejam, mas porque precisam, para seguir em frente, bem, funcionais e saudáveis.
Tal como as crises pedem reflexão, o filme coloca os expectadores em processo reflexivo. Como psicóloga, teóloga e educadora, acho que valeu a pena o tempo dispendido em assistir o filme, ele é denso, porém os diálogos são bastante educativos, seja pela assertividade demonstrada pelos personagens em suas colocações, ou pela não assertividade presente em outras cenas. Ele abre a possibilidade de servir como recurso na formação de psicólogos, educadores e outros profissionais ao tratar de diversas temáticas pertinentes aos seres humanos, sua vida e suas famílias.
 
 
i O Bar-Mitzvá, é um ritual de passagem judaico. O judaísmo considera o jovem de 13 anos maduro o suficiente para ser responsável por seus atos. Para maiores detalhes sobre o que é bar mitzvah ver: http://www.morasha.com.br/conteudo/artigos/artigos_view.asp?a=605&p=0


 
Referências:
WALSH, Fromma. Fortalecendo a resiliência familiar, São Paulo: Roca, 2005.
 
Fontes das imagens:

 

domingo, 13 de janeiro de 2013

QUANDO O PROBLEMA É A SOLUÇÃO




CC0
http://www.publicdomainpictures.net/view-image.php?image=6413&picture=juntos&large=1

Muitas vezes as pessoas ficam de mal humor quando têm um problema. Na verdade deveriam bendizê-lo como um mensageiro de esperança.


Abraçar-se com o desconforto, e acomodar-se com ele, é o que pode ser sinal perigo. O desconforto gera mudança, o conforto, permanência. Retroalimentação negativa, em linguagem sistêmica.

Bem vindos os problemas que nos tiram da acomodação disfuncional. É possível que as pessoas se acostumem ao seu sofrimento, às coisas que não lhe agradam nem lhe fazem bem, após um tempo envolvidos com eles. Nem se dão conta, mas o mal estar passou habitá-las e paralisou-as.
 Ao tratar do tema do conforto e desconforto, sempre me lembro do poema de Marina Colasanti, “Eu sei, mas não devia”: 
 
Eu sei que a gente se acostua. Mas não devia.
 A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.
  A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.
(...)
A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.
(…)
A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá.
(...)
A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.


Saber não faz mudança. Bem vinda é a desacomodação que tira do marasmo e coloca em movimento. Quem transforma o desconforto em desafio a ser superado está a caminho da mudança necessária à transformação da vida.
Certa estória ilustra bem esta situação:

Certa vez, Mestre & Discípulo peregrinavam por distantes pastagens quando um dia encontraram acolhida em um casebre habitado por uma família muito simpática mas que (sobre)vivia em parcas condições de miséria. Embora fossem boas pessoas, seus recursos materiais eram aparentemente limitados, a pobreza era o seu cotidiano e mal se sustentavam graças a uma única e magrela vaca a qual fornecia o leite que servia de alimento e o pouco que sobrava era vendido por uns trocados.
Na hora de partirem, o Discípulo apiedado da situação daquelas pessoas, perguntou ao Mestre se algo podiam fazer por eles.
O Mestre em sua sabedoria disse:
- Jogue a vaca no precipício....
- Mas Mestre... - interpelou o Discípulo.
- Jogue a vaca no precipício.... ou suma com ela!- Reiterou o Mestre.
O discípulo, sem compreender a intenção do Mestre cumpriu seus desígnios ainda que muito contrariado.
E assim, a vaca foi para o brejo, ou seja, sumiu. E a família ficou sem ela.
Os anos se passaram. Desde aquele incidente o Discípulo não mais tivera paz em seus dias, sentindo remorso por ter privado aquela família bondosa de sua única fonte de sobrevivência.
No intuito de se redimir e obter o perdão, o Discípulo resolveu então voltar àquela erma região e encontrar aquelas pessoas que com as quais havia cruzado o caminho e interferido em suas vidas de forma tão brusca.
Mas, para seu espanto, o Discípulo não conseguiu reconhecer a região. Onde antes havia uma região árida, encontrou terras cultivadas. Próximo de onde era o casebre, um palacete.
Sua angústia tornou-se então ainda maior. Supôs que a família fora obrigada a vender a casa e o terreno, visto que não tinham mais a vaca para sobreviver.
Decidido então encontrar pistas do paradeiro daquela pobre família, o Discípulo resolveu interrogar os novos moradores.
Aproximou-se da bela casa e encontrou seus proprietários na piscina, divertindo-se.
O discípulo então levou o maior susto: Eram as mesmas pessoas, aquela "mesma" família que antes encontrara, agora com aparência mais saudável e feliz.
Sem nada entender, o discípulo perguntou pelo milagre ocorrido naquele lugar.
- Que milagre que nada - respondeu o pai de família, com sorriso no rosto. - Certo dia, quando acordamos descobrimos que aquela nossa vaca, da qual tirávamos nossa sobrevivência, havia desaparecido. Diante disso, arregaçamos as mangas em busca de novas soluções, trabalhamos muito, voltamos a estudar e criar formas alternativas de produção e fomos ao longo do tempo prosperando e hoje somos donos de todas essas terras que nos cercam...
- Tudo isso começou depois que a vaca foi para o brejo... No dia em que deixamos a acomodação de lado e decidimos agir e viver a plenitude de nossas potencialidades !!!
E o Discípulo, então, compreendeu a sabedoria do Mestre.

Dar a si a chance de ser diferente é enfrentar o desconforto e transformá-lo em instrumento de busca pela mudança necessária. Não é necessário esperar que a vida de um empurrãozinho transformando tudo em desolação e destruição, e em não havendo outra saída, obrigar à reconstrução. É possível transformar o desconforto em desafio à mudança, mesmo quando tudo não seja o caos final da destruição.


O ser humano é um ser criativo, e pode aplicar a sua criatividade em benefício de si mesmo. Luiz Fernando Garcia lembra que uma característica comum a pessoas de sucesso é: “quando vencem um desafio, chamam logo pelo próximo”. E alerta: “é preciso abraçar cada dia como um desafio”. E os desafios, - pedras no caminho -, estão para serem criativamente ultrapassados. “Pedras no caminho?” - Perguntou Fernando Pessoa, e logo respondeu: “Guardo todas, um dia vou construir um castelo...” .


A resiliência é uma qualidade que habita aqueles que crescem com os seus desafios de vida. A luta é parte da vida, não sendo privilégio de poucos. Porém, não ser derrotado pelas lutas é o benefício das pessoas que usam as suas capacidades humanas, e os seus talentos, para ao invés de reclamar das condições de vida, toma-las em suas mãos e criar saídas e novos caminhos de vida a partir delas. Pensando metaforicamente é possível dizer: há os que reclamam do estrume, e há os que transformam o estrume em adubo para que a VIDA floresça.




Referências:

COLASANTI, Marina. Eu sei, mas não devia. Disponível em http://www.releituras.com/mcolasanti_eusei.asp Acessado em janeiro de 2013.

E a vaca foi para o brejo. Disponível em: http://openlink.br.inter.net/marcosgatti/vaca.htm Acessado em janeiro de 2013.

GARCIA, Luiz Fernando. Pessoas de resultado: o perfil de quem se destaca sempre. São Paulo: Gente, 2003.

PESSOA, Fernando. Pedras no caminho. Disponível em: http://recreiodasletras.wordpress.com/2009/02/28/fernando-pessoa-pedras-no-caminho/ Acessado em janeiro de 2013.

FILME: DE BEM COM A VIDA


De bem com a vida, Anthony Byrne, Irlanda, Imagem Filmes, 2009.



Ellie é uma jovem que abandona a faculdade e vai ao encontro de sua irmã mais velha, Kate, que é dona de uma Residência de Longa Permanência para idosos (antigamente denominado asilo). Pede a ela um emprego de faxineira, pois deseja guardar dinheiro para ir com amigos numa viagem de volta ao mundo. A irmã está vivenciando um momento difícil na Residência devido a alguns idosos que ali residem serem bastante difíceis de relacionamento. Acaba então aceitando a ajuda de Ellie. Contudo a história se passa no período do natal, quando Ellie acaba tendo que cuidar sozinha destes idosos, e aí a trama do filme se desenrola mostrando o dia a dia no local.

Ao assistir o filme, a lembrança do poema “NO MEIO DO CAMINHO”, de Drummond me veio à mente. Todos os envolvidos no enredo, como diz o poema, “tinham uma pedra no meio do caminho”. Mas quem de nós, nesta vida, nunca teve que passar por um caminho onde tem “UMA PEDRA” ?

                                                Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=wzz8NoFYsOs


A estória discute temas como relacionamento intergeracional, o processo de envelhecimento, relações interpessoais, relações fraternas (entre as duas jovens irmãs e duas irmãs de mais idade residentes na casa). Destaca com excelência, o fato de que cada pessoa, quando chega a esta etapa da existência, terá que dar conta de como lidou com a vida ao construir a sua história. Aborda as escolhas realizadas, e as não-escolhas impostas às pessoas durante a sua breve existência terrena, demonstrando como cada personagem lidou com elas, desde a jovem Ellie, passando por sua irmã e os residentes no Lar. Além de priorizar esta discussão, o filme aborda com grande beleza o crescimento que advém das trocas relacionais entre pessoas de diferentes gerações. Paciência, criatividade, solidariedade, empatia, são assuntos discutidos neste filme, ao lado de mentira, impaciência e impertinência.

O filme ajuda a lembrar que a vida cotidiana apesar de ser vivida em grupo, é aquilo que cada pessoa faz dela. Cada ser humano oferece a sua contribuição singular para que a sua vida se torne o que ela efetivamente é. Construímos o nosso cotidiano através do modo como nos posicionamos nele em relação a nós mesmos e as outras pessoas, e em meio a isso, o tempo que é implacável, segue adiante. Assim a história de vida de cada pessoa se constrói permanentemente. Os relacionamentos que as pessoas estabelecem, e como elas se relacionam, podem tornar as suas vidas piores ou melhores. Nada se dá pelo acaso nas relações interpessoais, senão, pelas construções realizadas através das atitudes, dos comportamentos e dos diálogos entre os conviventes. Pensando metaforicamente, pode-se dizer que a vida pode ser amaciada e adocicada, ou feita amargosa, penosa e deprimente, dependendo de como as pessoas se relacionam umas com as outras.

Indico a apreciação desta película por todos que desejam refletir sobre o processo de envelhecimento e o tema das relações intergeracionais. Também é útil à aqueles que se dedicam ao desafiador oficio de ser um cuidador de idosos, ou um trabalhador que realiza sua atividade numa Residência de Longa Permanência para idosos.




quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

O LUGAR DE DESTINO


Se você precisa por forças das circunstâncias, e mesmo contra a sua vontade, "transportar uma grande quantidade de melancias de uma única vez, numa carroça, é natural que durante o percurso, três ou quatro delas acabem ficando amassadas."

O trecho acima foi escrito por Luiz Fernando Garcia, em sua obra “Pessoas de resultado”* . Ao ler esse trecho hoje, senti um profundo alívio e desculpabilização. A metáfora faz muito sentido, destacando claramente o fato de que, nem tudo o que acontece nesta vida está sob o nosso controle absoluto, ou pode ser evitado - mesmo quando somos direcionados pelas melhores intenções. É impossível conseguir preservar tudo sempre. “Não há como fazer o bolo sem quebrar os ovos” diria alguém que conheço. Está absolutamente certo!

Mesmo com todo o empenho e cuidado, algumas coisas que acontecem na nossa caminhada de vida fogem à possibilidade de preservação. Perfeição não é um atributo humano –  faz bem lembrar! Contudo, é do ser humano a elevada capacidade de reconstrução da vida, dos sonhos, dos projetos, bem como, a plasticidade cerebral com um elevadíssimo potencial de desenvolvimento, e a capacidade de aprendizagem contínua durante toda a sua existência, inclusive com as limitações, os erros e os acertos do passado.

As características humanas anteriormente destacadas oferecem às pessoas possibilidades infinitas de desenvolvimento humano durante todo o seu ciclo vital. Assim, é possível aprender e reaprender habilidades necessárias ao desenvolvimento de determinadas atividades, recuperar o tempo perdido quando nos desviamos de determinados projetos de vida que almejávamos colocar em andamento, retomar antigos sonhos reajustando-os para um novo tempo, ou criar novos trajetos a serem seguidos na vida com a reinvenção de novos alvos a serem alcançados.

Quem não se reinventa a cada novo dia, corre o risco de se dizer vivo apenas porque está respirando. Mas estar realmente vivo, não seria mais do que isso? Você tem estado realmente vivo enquanto vive?

Nunca é tarde para realizar uma conversão de caminho. Mas, para isso é preciso ter coragem e saber exatamente para onde você deseja ir. Tendo clareza de objetivo em mente, é hora de iniciar a nova caminhada dando um passo de cada vez. Pode ser altamente motivador, não esquecer-se que a cada dia você estará mais distante do antigo caminho, e mais próximo de chegar ao seu novo destino.

No caso da metáfora das melancias que precisaram ser transportadas numa carroça, e por isso amassaram, é bom lembrar, que nem sempre quando almejamos realizar algo, podemos contar com as condições que gostaríamos, e temos que agir diante das condições concretas que temos. Mas o fato das melancias terem sido transportadas mesmo assim, mostra intenção e ação. Mesmo quando não se tem as melhores condições, ou as mais adequadas, geralmente é possível fazer alguma coisa dentro das condições que se tem.

Na vida também nem sempre vamos conseguir encaminhar a nossa vida da maneira que gostaríamos. Mas se tivermos a certeza de que fizemos o nosso melhor, não nos abraçando ao conformismo, então não haverá lugar para cobranças e culpas. Especialmente se ao invés de desejarmos transportar em carroças desejamos transportar em caminhões ou aviões, contudo nos faltaram possibilidades para isso. Mas ainda assim... a certeza de que demos o nosso melhor, será um aconchegante travesseiro sobre o qual poderemos recostar a nossa alma em paz.

Haverão os que olharão o fato e destacarão as melancias que amassaram. Contudo, é possível alegrarmo-nos pelas melancias que chegaram ao seu destino, apesar dos percalços, e no meio de algumas que amassaram, outras se mantiveram, e foram transportadas para um outro local - o local de almejado.

Bem... é possível entretanto que agora após os contratempos do transporte, e já estando noutra realidade, a pessoa deseje adquirir novas melancias para repor aquelas que amassaram pelo caminho. Mas isso já é renovação em um novo momento, e em um novo lugar - o almejado lugar de destino.
 

Fonte :
(acessada em 10 de janeiro de 2013)

Referência: 

* GARCIA, Luiz Fernando. Pessoas de resultado: o perfil de quem se destaca sempre. 10 ed. São Paulo: Editora Gente, 2003.


terça-feira, 8 de janeiro de 2013

EU QUERO É MUDANÇA !


- “Eu quero é mudança !”

 Essa frase não é muito comum de ser ouvida, e as vezes,  nem muito fácil de ser expressada. Mas em alguns momentos da vida, a pessoa a repete a si mesma, mentalmente, ou partilhando com outros em voz audível, e com suficiente intensidade para que ela ressoe:

-”Eu quero é mudança !”

 Geralmente isso é dito quando tudo vai de mal a pior, ou quando a monotonia toma conta da vida. Nestes períodos, a vida costuma parecer um mar de incertezas ou um verdadeiro “nonsense”.

Por que na maioria das vezes quando tudo caminha bem, e as pessoas sentem  prazer com o momento da vida que estão vivendo, a tendência é abraçar-se com o conformismo e aproveitar para desfrutar dele.

 Mas nem sempre as pessoas buscam mudanças por estarem vivendo um período difícil. Buscam-na devido aos seus sonhos. Por exemplo: quando decidem se casar, ou ter um filho.

Contudo, o fato é que, não apenas as mudanças de adaptação a coisas ruins que lhes acontecem (e estas geralmente lhes sobrevêm de maneira inesperada), mas também aquelas que aparentemente são boas e importantes, aquelas que sãos desejadas, estas também, necessitam de um preparo. Como por exemplo: emagrecer, realizar uma cirurgia estética, recasar-se, mudar de emprego ou de cargo, dentre tantos outros possíveis exemplos.

É preciso preparar-se para as mudanças desejadas, por que mudanças implicam em novidade, e em lidar com o desconhecido. E quando nos aproximamos do desconhecido, vamos nos apropriando dele aos poucos, e assim, ele vai se tornando familiar.

Preparar-se para a mudança desejada, é em certo sentido, já antecipá-la. É familiarizar-se com a novidade. É viver o momento de advento.

O advento, no calendário litúrgico cristão, é um tempo de espera, mas também de fraternidade e arrependimento.

Todo tipo de mudança implica em ganhos e perdas. E este período de advento, onde espera-se o “nascimento” de algo novo na vida, é o tempo propício para a  preparação e gestação, da mudança desejada, a fim de que quando ela venha, possa ser adequadamente acolhida. Pois, se ela trará ganhos, de outra feita, algumas perdas virão conjuntamente, e para estas perdas, é também preciso estar minimamente preparado.

 Um exemplo muito prático disso, são os pais, que com o nascimento de um filho ganham um grande presente e alegria, mas como eu mesma bem lembro de minha própria experiência, nem sempre estamos preparados e conscientes das perdas que juntamente virão: a ausência das noites de sono tranquilo, a falta de tempo para cuidar de determinadas coisas que antes ocupavam o nosso tempo, e muitas outras mudanças.

Quando uma pessoa clama por mudanças em sua vida, parece bastante sábio que ela na mesma intensidade possa se perguntar:

Estou preparada para estas mudanças?

 

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Dizer a SUA palavra


Pode parecer estranho, que em pleno século XXI seja necessário argumentar em favor de que as pessoas possam aprender a lutar pelo direito de poder dizer A SUA palavra. Mas a sociedade atual não evoluiu o suficiente ao ponto de conseguir valorizar a liberdade de ser e existir, e acolher a liberdade de expressão.

As instituições sociais que mais poderiam contribuir nesse sentido, a família, a escola, a igreja, por exemplo, continuam a guardar em si um potencial ambíguo. A família tem o poder para impulsionar ao crescimento ou paralisar. A escola tem a possibilidade de fazer ver ou de cegar, de apontar caminhos ou construir prisões. A igreja, detentora de uma mensagem de Vida Plena, gera libertação ou engaiola, encarcera. Pena que o potencial positivo de desenvolvimento da palavra e do indivíduo nestas instituições anda um tanto carcomido nestes tempos.

A capacidade humana de pensar, refletir, e expressar-se é uma dádiva. Porém só pode ser assim percebida, quando utilizada. Uma criança quando nasce vai aprender a dizer a sua palavra. Do adulto se espera não apenas a autonomia para dizer a sua palavra, e assim existir, mas que possa também ensinar as gerações mais novas, pela sua própria forma de ser, a refletirem, expressarem-se, e dizerem-se, e em dizendo, construírem a sua existência mostrando-se ao mundo, e posicionando-se diante dele num processo que só encerra com a morte.

Como a palavra encontra-se em mim hoje? Essa é uma pergunta que pode gerar importantes reflexões neste período de entrada em um ano novo. Porém não só neste período, essa é uma reflexão que sempre deveria estar na pauta do dia.

Se a palavra de alguém foi silenciada, ou encaixotada, provavelmente esta pessoa está mais próxima de Thânatos. Contudo renovação e reinvenção da vida, é parte do próprio processo morte-vida que habita a existência. Morremos e renascemos para determinados projetos, pessoas, ideias e valores, por muitas vezes durante a nossa curta existência.

O início de novos ciclos temporais, como o início de um novo ano, podem ser momentos oportunos para repensar a vida, e empreender o resgate de si mesmo. A redescoberta da SUA palavra pode ser o princípio de um renascimento. Todos temos a possibilidade de escolher investir neste caminho da palavra, da libertação, da VIDA. Dizer a SUA palavra inicia com uma escolha, e prossegue com o investimento necessário para ir adiante na trilha deste caminho.

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

QUERO SER TRATADO COMO GENTE

Tenho um amigo de muitos anos, mais ou menos uns vinte. Acompanho de longe a sua trajetória profissional, e embora nunca tenha expressado isso a ele, sempre tenho comigo que ele deve ser muito competente e dedicado naquilo que faz.

Dias atrás, fiquei pensando o quanto me chama a atenção o seu jeito viver. É uma das pessoas que conheço, que na sua trajetória de vida não apenas trata os outros como “gente”, mas também faz questão de se posicionar na vida de modo a ser tratado como tal. Isso parece ser tão importante, que é como se ele “transpirasse” isso involuntariamente no jeito de se colocar diante das outras pessoas, e da vida.

Nós não convivemos próximos, e faz atualmente muitos anos que nem nos falamos. Contudo, no remoto contato que temos (afinal hoje em dia com a tecnologia e as redes sociais as pessoas só perdem mesmo o contato umas com as outras se não forem suficientemente interessadas em preservar os relacionamentos), continua me impressionando o quanto aprendo com esse seu jeito de ser. Somos co-responsáveis no que tange à forma como os outros nos tratam nesta vida. Afinal, o modo como nos posicionamos comunica a elas, e reitera a nós próprios, o modo como desejamos ser tratados. Ao comunicar, recebemos um feedback, e assim sucessivamente o círculo interacional se estabelece.

Se queremos melhorar uma relação, não podemos mudar o outro, mas podemos começar mudando a nossa forma de nos relacionarmos com os outros, conosco mesmos, e com a vida. Quem se coloca na vida como lixeira, pode receber lixo de volta, quem se coloca como mendigo, pode receber esmolas, mas quem se coloca como gente, pode ser tratado como tal. Isso não é uma regra ou um processo linear de estímulo-resposta, pois o processo interacional é muito mais complexo. Porém, este é um bom começo, afinal, no fundo , no fundo, cada um de nós comunica ao mundo como deseja ser tratado

EXPRESSAR-SE



Expressar-se



Por vezes sem nos apercebermos

A palavra fica guardada

Encaixotada.


A quem você delegou o poder de encaixotar as suas palavras?


Ousadia do outro, ou covardia sua ?
Celebrar o silêncio ?



Palavra é literalmente VIDA.


A vida é criada e se mantém através da palavra.

Dizer a sua palavra é dizer-se

É existir.
Sejam bem vindos ao Con-Versas e Versos.
Este Blog busca compartilhar e propor reflexões sobre alguns temas que tenho refletido.
Minhas áreas principais de interesse são a Psicologia, a Teologia, as Artes, a Educação, a Família, as relações afetivas e de casal, as Relações Interpessoais, o Desenvolvimento Humano e o Envelhecimento Humano.
Vamos com-partilhar ?


Con-versar

 Versar a vida
Pensar o existir
Pensar 
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Expressar-se
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Nascer
Renascer
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