Indicado ao Óscar 2013
em oito categorias, “O lado bom da vida” é um filme sem grandes
fatos extraordinários, porém, com uma história muito bem narrada,
e personagens instigantes e bem interpretados. Aborda de modo central
os temas do divórcio, transtorno mental, perdas e diferentes tipos
de lutos, culminando com a temática da reinvenção da vida.


A psicóloga Terezinha
Féres-Carneiro ao estudar a separação conjugal, destaca que, assim
como “o casamento implica na construção de uma nova identidade
para os cônjuges … no processo de separação, a identidade
conjugal, construída no casamento, vai aos poucos se desfazendo,
levando os cônjuges a uma redefinição
de suas identidades individuais”. E citando Caruso, essa
mesma pesquisadora alerta: “A separação é uma das mais dolorosas
experiências pelas quais pode passar um ser humano, é um processo
complexo, vivido em diferentes etapas
e em diferentes níveis,
ou seja, nos pensamentos secretos de cada membro do casal, no diálogo
entre eles e na explicitação para o contexto social que os
circunda.”
Se Tiffany estava
vivendo um luto por morte, Pat estava vivendo um luto pela perda da
esposa e do casamento idealizado. Também neste sentido Féres
Carneiro ilumina a compreensão do processo ao lembrar que “estudar
a separação amorosa significa estudar a
presença da morte na vida.” Ainda lembrando Caruso, esta
psicóloga explicita que “na separação há uma sentença de morte
recíproca: 'o outro morre em
vida, mas morre dentro de mim... e eu também morro
na consciência do outro.”
Nessa fase difícil, a
promoção da saúde emocional é
fundamental. Especialmente se considerarmos os dados de outro
pesquisador na área da morte e luto, Colin Murray Parkes, que indica
que o stress causado pelo luto pode, de alguma forma, predispor à
maior vulnerabilidade à manifestações de doenças e maior risco de
morte no período de enlutamento..
No filme, Pat e Tiffany
encontram a benção de
se conhecerem e iniciarem uma amizade marcada por profundo apoio
mútuo (que posteriormente desembocará em um relacionamento
amoroso de casal). A amizade como importante fator de saúde mental,
já foi apontada por estudiosos tais como, Tom Rath em seu livro “O
poder da amizade”, e Klaus Manhart em seu artigo “Nada como um
bom amigo”. Consideramos que o filme destaca com beleza e
concretude os benefícios dessa relação de amizade para ambos.
Relação esta que aos poucos vai se transformando numa relação
amorosa.
Neste sentido,
lembramos o psicólogo Paolo Menghi, ao ensinar-nos que “uma
relação de casal pode representar para os dois membros que a
compõem, a forma de
psicoterapia mais eficaz (…) uma oportunidade
incrível de evolução individual.” Sendo que, “um dos
objetivos fundamentais de uma relação de casal consiste em
favorecer o processo evolutivo
de seus participantes.”
Tanto o luto por morte
do companheiro, ou pelas perdas advindas de uma experiência de
divórcio, acabam por colocar os ex-cônjuges, e as vezes as demais
pessoas da família, em uma diferente
etapa do ciclo vital. No caso das pessoas que passam pela
experiência da separação e divórcio, Carter e Macgoldrick
destacam que “existem modificações cruciais no status relacional
e importantes tarefas emocionais
que precisam ser completadas pelos membros da família que se
divorcia para que eles possam prosseguir
desenvolvimentalmente. (…) Cada parceiro deve recuperar
esperanças, sonhos, planos e expectativas que foram investidos nesse
cônjuge e nesse casamento.” No filme, vemos a necessidade de Pat
cumprir essa função com relação Nikki, para poder libertar-se e
seguir adiante.
Carter e Macgoldick
lembram que o período médio avaliado por elas em sua experiência
clínica, e corroborado por outros pesquisadores, que uma pessoa ou
família leva, com grande esforço, para reajustar-se à sua nova
situação e prosseguir adiante para a próxima etapa do ciclo de
vida (incluindo ou não uma experiência de recasamento) é de no
mínimo 2 anos. E mais ou menos esse mesmo período de tempo elas
consideram necessário na adaptação, e construção de uma nova
estrutura no caso de recasamento. E alertam: “As famílias em que
as questões emocionais do divórcio não estão adequadamente
resolvidas podem permanecer
emocionalmente paralisadas por anos, se não por gerações.”
No filme, Pat que lutou
grandemente pela oportunidade de se reaproximar de Nikki, quando teve
essa oportunidade, já estava tão profundamente envolvido pelo
apoio, companheirismo e cumplicidade com Tiffany, que opta por
investir na nova relação, abandonando as ilusões referentes ao
primeiro relacionamento que já anteriormente não havia ido adiante.
Neste momento, a trama da película chega ao fim. Os expectadores não
sabem como essa história seguiria. Contudo, na vida real as
terapeutas de família Carter e Macgoldrick, chamam a atenção para
o processo emocional envolvido pelo par amoroso na etapa seguinte do
ciclo de vida, que pode implicar no recasamento: “consiste em
lutar com os medos relativos ao investimento em um novo
casamento e numa nova família, os próprios medos da pessoa, os
medos do novo cônjuge e os medos dos filhos (de um ou de ambos os
cônjuges); lidar com as reações hostis ou de perturbação dos
filhos, das famílias ampliadas e do ex-cônjuge, lutar com a
ambiguidade da nova estrutura, papéis e relacionamentos familiares
(…)” dentre outros fatores. Elas chamam a atenção para o
desafio de inventar uma nova
forma de estrutura familiar e aceitar
a complexidade da nova forma.

Finalizando essa análise do filme, é importante destacar ainda a concretude com que o filme caracteriza o profundo sentimento de dor que pode marcar o rompimento de uma relação afetiva nas separações e divórcios, com implicações inclusive para as Famílias de Origem envolvidas, aspecto também muito bem ilustrado no filme. A dor pode ganhar contornos especiais, principalmente quando acompanhada por traição inesperada, como no caso de Pat. Dois marcos deixam isso bem pautados na trama: a dificuldade de lidar com as lembranças, e o comportamento agressivo daí decorrido.
O fato de Pat ficar
absurdamente descontrolado e furioso quando escuta a música que
marcou o seu relacionamento amoroso com Nikki e também a experiência
de flagrante de traição, é um dos pontos fortes do filme. Chama a
atenção o reviver das emoções negativas por ele, ao escutar a
música tocar, com tal intensidade, sentindo-se ele absolutamente
“tomado” pelas emoções, gerando algum sentimento que acaba
sendo expressado em forma de grande agressividade. Neste momento é
como se a emoção fosse maior do que ele, e se apoderasse de sua
pessoa de tal forma que perde o controle. Embora em diferentes
níveis, cabe aqui destacar que não é incomum, que nas situações
de separação as memórias “fantasmáticas do passado”
eventualmente tornem a visitar as pessoas, e por vezes as memórias e
sensações chegam a apoderarem-se delas. Daí o grande auxílio que
se pode obter de um processo psicoterapêutico que possa auxiliar a
pessoa no enfrentamento dessas emoções, e na lida com suas
memórias, com vistas à superação e não paralisação de seu
desenvolvimento e vida.
Para Parkes, “a dor
do luto é talvez o preço que pagamos pelo amor, o preço do
compromisso. Ignorar esse fato ou fingir que não é bem assim, é
cegar-se emocionalmente, de maneira a ficar despreparado para as
perdas que irão inevitavelmente ocorrer em nossa vida, e também
para ajudar os outros a enfrentar suas próprias perdas.” Tal ideia
faz lembrar um trecho de um poema cuja autoria tem sido atribuida a
Soren Kiekegaard que diz: “Expor seus sentimentos é arriscar-se a
expor seu eu verdadeiro. Amar é arriscar-se a não ser amado. Mas...
é preciso correr riscos. Porque o maior azar da vida é não
arriscar nada... Pessoas que não arriscam, nada fazem, nada são.
Podem estar evitando o sofrimento e a tristeza. Mas assim não podem
aprender, sentir, crescer, mudar, amar, viver... (…) Arriscar-se é
perder o pé por algum tempo. Não se arriscar é perder a vida... “
REFERÊNCIAS
CARTER, B. e
MCGOLDRICK, M. As mudanças no ciclo de vida familiar. In: CARTER, B.
e MCGOLDRICK, M. As mudanças no ciclo de vida familiar. Porto Alegre
Artmed, 1995.
FÉRES-CARNEIRO, T.
Separação: o doloroso processo de dissolução da conjugalidade.
In: Estudos de Psicologia (Natal). v.8, n. 3. Natal: RN,
set/dez.,2003
KIEKEEGAARD, S. Rir é
arriscar-se.. Disponível em:
http://pensador.uol.com.br/frase/NTE5ODUw/
MANHART, K. Nada como
um bom amigo. In: Viver Mente e Cérebro, n 159.
MENGHI, P. O casal
útil. In: ANDOLFI, M. O casal em crise. São Paulo: Summus, 1995.
PARKES, C. M. Luto:
estudos sobre a perda na vida adulta. São paulo: Summus, 1998.
RATH, T. O poder da
amizade. São Paulo: Sextante, 2006.
Fontes das imagens:
Referências do vídeo: