terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Refletindo sobre “O LADO BOM DA VIDA”






Indicado ao Óscar 2013 em oito categorias, “O lado bom da vida” é um filme sem grandes fatos extraordinários, porém, com uma história muito bem narrada, e personagens instigantes e bem interpretados. Aborda de modo central os temas do divórcio, transtorno mental, perdas e diferentes tipos de lutos, culminando com a temática da reinvenção da vida.
O casal Pat e Dolores Solitano, são os pais de Pat Solitano Jr, ator que faz o papel principal, e que como seu pai, possivelmente sofre de Transtorno Bipolar (diz-se aqui “possivelmente”, pois o filme não aborda isso explicitamente). Pat Jr, após vivenciar uma experiência de traição da esposa Nikki,, tem um acesso de fúria e é internado em um hospital psiquiátrico. Após alguns meses Dolores, a mãe, consegue sua liberação do hospital, levando-o de volta para a casa sob custódia. Quando Pat volta, resolve ir novamente ao encontro da ex-mulher, negando para si mesmo a nova realidade instalada na relação após o episódio da traição, em tentativas desesperadas de se reaproximar da ex-mulher.



O filme caracteriza bem, como momentos de grande stress podem expor vulnerabilidades pessoais, exacerbando alguns comportamentos e impulsionando a outros, que em situações normais possivelmente não se manifestariam. Também caracteriza muito bem, o contexto de vida e impacto da perda de um relacionamento afetivo na vida das pessoas, não apenas na atuação de Pat, mas também na de Tiffany, uma moça de temperamento forte e comunicação direta, que ele conhece quando sai do hospital, e que tal como ele, está lidando com a experiência de perda e vivenciando um momento de luto.



A psicóloga Terezinha Féres-Carneiro ao estudar a separação conjugal, destaca que, assim como “o casamento implica na construção de uma nova identidade para os cônjuges … no processo de separação, a identidade conjugal, construída no casamento, vai aos poucos se desfazendo, levando os cônjuges a uma redefinição de suas identidades individuais”. E citando Caruso, essa mesma pesquisadora alerta: “A separação é uma das mais dolorosas experiências pelas quais pode passar um ser humano, é um processo complexo, vivido em diferentes etapas e em diferentes níveis, ou seja, nos pensamentos secretos de cada membro do casal, no diálogo entre eles e na explicitação para o contexto social que os circunda.”



Se Tiffany estava vivendo um luto por morte, Pat estava vivendo um luto pela perda da esposa e do casamento idealizado. Também neste sentido Féres Carneiro ilumina a compreensão do processo ao lembrar que “estudar a separação amorosa significa estudar a presença da morte na vida.” Ainda lembrando Caruso, esta psicóloga explicita que “na separação há uma sentença de morte recíproca: 'o outro morre em vida, mas morre dentro de mim... e eu também morro na consciência do outro.”


Nessa fase difícil, a promoção da saúde emocional é fundamental. Especialmente se considerarmos os dados de outro pesquisador na área da morte e luto, Colin Murray Parkes, que indica que o stress causado pelo luto pode, de alguma forma, predispor à maior vulnerabilidade à manifestações de doenças e maior risco de morte no período de enlutamento..

No filme, Pat e Tiffany encontram a benção de se conhecerem e iniciarem uma amizade marcada por profundo apoio mútuo (que posteriormente desembocará em um relacionamento amoroso de casal). A amizade como importante fator de saúde mental, já foi apontada por estudiosos tais como, Tom Rath em seu livro “O poder da amizade”, e Klaus Manhart em seu artigo “Nada como um bom amigo”. Consideramos que o filme destaca com beleza e concretude os benefícios dessa relação de amizade para ambos. Relação esta que aos poucos vai se transformando numa relação amorosa.
Neste sentido, lembramos o psicólogo Paolo Menghi, ao ensinar-nos que “uma relação de casal pode representar para os dois membros que a compõem, a forma de psicoterapia mais eficaz (…) uma oportunidade incrível de evolução individual.” Sendo que, “um dos objetivos fundamentais de uma relação de casal consiste em favorecer o processo evolutivo de seus participantes.”

Tanto o luto por morte do companheiro, ou pelas perdas advindas de uma experiência de divórcio, acabam por colocar os ex-cônjuges, e as vezes as demais pessoas da família, em uma diferente etapa do ciclo vital. No caso das pessoas que passam pela experiência da separação e divórcio, Carter e Macgoldrick destacam que “existem modificações cruciais no status relacional e importantes tarefas emocionais que precisam ser completadas pelos membros da família que se divorcia para que eles possam prosseguir desenvolvimentalmente. (…) Cada parceiro deve recuperar esperanças, sonhos, planos e expectativas que foram investidos nesse cônjuge e nesse casamento.” No filme, vemos a necessidade de Pat cumprir essa função com relação Nikki, para poder libertar-se e seguir adiante.



Carter e Macgoldick lembram que o período médio avaliado por elas em sua experiência clínica, e corroborado por outros pesquisadores, que uma pessoa ou família leva, com grande esforço, para reajustar-se à sua nova situação e prosseguir adiante para a próxima etapa do ciclo de vida (incluindo ou não uma experiência de recasamento) é de no mínimo 2 anos. E mais ou menos esse mesmo período de tempo elas consideram necessário na adaptação, e construção de uma nova estrutura no caso de recasamento. E alertam: “As famílias em que as questões emocionais do divórcio não estão adequadamente resolvidas podem permanecer emocionalmente paralisadas por anos, se não por gerações.”



No filme, Pat que lutou grandemente pela oportunidade de se reaproximar de Nikki, quando teve essa oportunidade, já estava tão profundamente envolvido pelo apoio, companheirismo e cumplicidade com Tiffany, que opta por investir na nova relação, abandonando as ilusões referentes ao primeiro relacionamento que já anteriormente não havia ido adiante. Neste momento, a trama da película chega ao fim. Os expectadores não sabem como essa história seguiria. Contudo, na vida real as terapeutas de família Carter e Macgoldrick, chamam a atenção para o processo emocional envolvido pelo par amoroso na etapa seguinte do ciclo de vida, que pode implicar no recasamento: “consiste em lutar com os medos relativos ao investimento em um novo casamento e numa nova família, os próprios medos da pessoa, os medos do novo cônjuge e os medos dos filhos (de um ou de ambos os cônjuges); lidar com as reações hostis ou de perturbação dos filhos, das famílias ampliadas e do ex-cônjuge, lutar com a ambiguidade da nova estrutura, papéis e relacionamentos familiares (…)” dentre outros fatores. Elas chamam a atenção para o desafio de inventar uma nova forma de estrutura familiar e aceitar a complexidade da nova forma.








 
Finalizando essa análise do filme, é importante destacar ainda a concretude com que o filme caracteriza o profundo sentimento de dor que pode marcar o rompimento de uma relação afetiva nas separações e divórcios, com implicações inclusive para as Famílias de Origem envolvidas, aspecto também muito bem ilustrado no filme. A dor pode ganhar contornos especiais, principalmente quando acompanhada por traição inesperada, como no caso de Pat. Dois marcos deixam isso bem pautados na trama: a dificuldade de lidar com as lembranças, e o comportamento agressivo daí decorrido.
O fato de Pat ficar absurdamente descontrolado e furioso quando escuta a música que marcou o seu relacionamento amoroso com Nikki e também a experiência de flagrante de traição, é um dos pontos fortes do filme. Chama a atenção o reviver das emoções negativas por ele, ao escutar a música tocar, com tal intensidade, sentindo-se ele absolutamente “tomado” pelas emoções, gerando algum sentimento que acaba sendo expressado em forma de grande agressividade. Neste momento é como se a emoção fosse maior do que ele, e se apoderasse de sua pessoa de tal forma que perde o controle. Embora em diferentes níveis, cabe aqui destacar que não é incomum, que nas situações de separação as memórias “fantasmáticas do passado” eventualmente tornem a visitar as pessoas, e por vezes as memórias e sensações chegam a apoderarem-se delas. Daí o grande auxílio que se pode obter de um processo psicoterapêutico que possa auxiliar a pessoa no enfrentamento dessas emoções, e na lida com suas memórias, com vistas à superação e não paralisação de seu desenvolvimento e vida.
 

Para Parkes, “a dor do luto é talvez o preço que pagamos pelo amor, o preço do compromisso. Ignorar esse fato ou fingir que não é bem assim, é cegar-se emocionalmente, de maneira a ficar despreparado para as perdas que irão inevitavelmente ocorrer em nossa vida, e também para ajudar os outros a enfrentar suas próprias perdas.” Tal ideia faz lembrar um trecho de um poema cuja autoria tem sido atribuida a Soren Kiekegaard que diz: “Expor seus sentimentos é arriscar-se a expor seu eu verdadeiro. Amar é arriscar-se a não ser amado. Mas... é preciso correr riscos. Porque o maior azar da vida é não arriscar nada... Pessoas que não arriscam, nada fazem, nada são. Podem estar evitando o sofrimento e a tristeza. Mas assim não podem aprender, sentir, crescer, mudar, amar, viver... (…) Arriscar-se é perder o pé por algum tempo. Não se arriscar é perder a vida... “

REFERÊNCIAS
CARTER, B. e MCGOLDRICK, M. As mudanças no ciclo de vida familiar. In: CARTER, B. e MCGOLDRICK, M. As mudanças no ciclo de vida familiar. Porto Alegre Artmed, 1995.
FÉRES-CARNEIRO, T. Separação: o doloroso processo de dissolução da conjugalidade. In: Estudos de Psicologia (Natal). v.8, n. 3. Natal: RN, set/dez.,2003
KIEKEEGAARD, S. Rir é arriscar-se.. Disponível em: http://pensador.uol.com.br/frase/NTE5ODUw/
MANHART, K. Nada como um bom amigo. In: Viver Mente e Cérebro, n 159.
MENGHI, P. O casal útil. In: ANDOLFI, M. O casal em crise. São Paulo: Summus, 1995.
PARKES, C. M. Luto: estudos sobre a perda na vida adulta. São paulo: Summus, 1998.
RATH, T. O poder da amizade. São Paulo: Sextante, 2006.
Fontes das imagens:

Referências do vídeo:

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

O ASPECTO POSITIVO E CONSTRUTIVO DA IMAGINAÇÃO EM VYGOTSKY



...Ver a imaginación no un divertimiento caprichoso del cerebro, (...) sino como una función vitalmente necesaria
(Vygotsky)



O  Russo Lev Semyonovitch Vygotsky é atualmente um dos teóricos mais influentes na área da Educação e da Psicologia. Considerado o pai da Psicologia Histórico-Cultural, influenciou muitos outros teóricos e pesquisadores que continuaram a desenvolver estudos a partir das idéias que foram lançadas por ele, mas que devido a sua morte prematura, aos 38 anos de idade, não foram totalmente desenvolvidas (GOZÁLEZ REY, 2001).




Ele teve passagem por várias áreas do conhecimento, tais como o direito, a medicina, a educação, a arte  (especialmente a literatura e o teatro). Atuou como professor, filólogo, crítico literário e pesquisador, dentre outras atividades (COLE & SCRIBNER, 1989; LURIA, 1989; BRUNER, 1991).

Escreveu sobre muitos assuntos referentes ao ser humano, dentre eles, “a imaginação”.




Entende que a imaginação tem um aspecto positivo e construtivo. Ela é o princípio para a criação de todo o novo na vida cultural, e para a expansão dos conhecimentos. Ele escreve:


(...) La imaginación, como base de toda actividad creadora, se manifiesta por igual en todos los aspectos de la vida cultural posibilitando la creación artística, científica y técnica. En este sentido, absolutamente todo lo que nos rodea y ha sido creado por la mano del hombre, todo el mundo de la cultura, a diferencia del mundo de la naturaleza, todo ello es producto de la imaginación. (1990)



Em seu livro La imaginación y el arte en la infancia”, ele valoriza a imaginação como sendo uma atividade importantíssima da mente humana. Se refere a ela como uma “função vitalmente necessária” e de enorme complexidade.

Explica que há duas concepções distintas da imaginação.
Uma concepção vulgar (do senso comum) que entende por imaginação - o irreal, aquilo que não se ajusta à realidade e que portanto, necessita de um valor prático.
A outra, é a concepção científica que a Psicologia faz da imaginação, como uma atividade criadora e construtiva do cérebro humano.







No entender da psicologia histórico-cultural, nosso cérebro é dotado de duas atividades: uma atividade conservadora – a memória; e uma atividade combinatória, criativa, construtiva – a imaginação.

A imaginação utiliza-se da memória para suas construções, e “toda atividade humana que não se limita a reproduzir acontecimentos e impressões vividas, pertence a essa função criadora ou combinatória” operada pela imaginação.




Desse modo, é possível perceber que é essa atividade do cérebro que leva o homem a estar voltado para o futuro, sendo capaz de novas criações, construções e descobertas, proporcionando o seu desenvolvimento e o da sociedade.



Referências:

BRUNER, J. S. Introdução. In: VYGOTSKY, L. S. Pensamento e Linguagem. 3º ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
COLE, M. & SCRIBNER, S. Introdução. In: VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
GONZÁLEZ REY, F. Vygotsky: presencia y continuidad de su pensamiento. In: Ideasapiens, 2001. Disponível em: www.ideasapiens.com/autores/Vygotsky/ Acessado em 26/05/02.
LURIA, A. R. Nota Biográfica sobre L. S. Vygotsky. In: VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
VYGOTSKY, L. S. La imaginación y el arte en la infancia. 2 ª ed. Madrid: Ediciones AKAL S. A , 1990.



Imagem de Vygotsky disponível em:

Demais imagens são obras de  Joan Miró


Flávia Diniz Roldão
Psicóloga, Pedagoga e Teóloga.

Psicoterapeuta individual, de casais e familias.
Trabalha com Arteterapia e desenvolvimento humano.
Contato: flaviaroldao@gmail.com

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Gente bonita



Eu gosto de gente bonita por dentro
E essa beleza se chama autenticidade.
Ela me lembra a beleza da transparência do vidro
Que deixa ver as coisas que estão fora , do outro lado.
As vezes o vidro embaça, pede limpeza !
Com o produto certo é possível limpar,
E logo ele deixa a luz e a imagem passarem novamente.

Gente bonita é gente transparente nos pensamentos,
Nos sentimentos,
Na relação.
Gente que sabe o que significa autenticidade.



Quero gente bonita sempre pertinho de mim.
E a beleza nada a tem a ver com os traços da aparência.
A estética da qual abordo, é a estética da alma.

Gente bonita perto da gente, torna a vida mais gostosa
Mais leve!
Ter gente bonita por perto é ser um pouco mais feliz.
 Ter gente tóxica perto da gente, é deixar a vida passar,
É morrer para a beleza, um pouco a cada dia.



Referências das Imagens:
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=399253933504896&set=a.348356355261321.82963.237513286345629&type=1&theater

http://www.fotosfacebook.net/wp-content/uploads/2013/01/Sou-exigente-com-a-beleza-584x450.jpg



segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

MUDANÇAS, MORTES, ESCOLHAS, GANHOS E PERDAS


Reflexões a partir de um diálogo com ideias de Gilberto Safra
e os filmes 
O EXÓTICO HOTEL MARILGOLD” e "SETE VIDAS


Se existe uma certeza que podemos ter nessa vida, é a de que tudo muda. As coisas boas passam, infelizmente. As coisas ruins também, e isso é muito bom. Essa é a certeza que podemos ter nessa vida, como cantava Clara Nunes, a de que “amanhã há de ser outro dia”. Em linguagem filosófica diria Heráclito (540 a.C - 470 a.C.), “ninguém se banha duas vezes na mesma água”.


O filme “O Exótico Hotel Marigold” discute belissimamente essa realidade humana: tudo passa. E aborda a importância do ser humano saber reinventar outras possibilidades de si ao longo da existência. Ele discute o tema do envelhecimento, da morte e das perdas da vida. Também trata o tema da reinvenção da vida, da gratidão humana pelas coisas simples das quais se pode desfrutar ao longo de um dia, das escolhas, e os ganhos que podemos obter por caminhos as vezes até inesperados. Fala de histórias de vida, trazendo a história daqueles que tiveram o privilégio de envelhecer. Conta como sete pessoas bastante diferentes lidam de modo bastante peculiar com os temas anteriormente mencionados. São realidades diversas de construção da velhice. O autor expressa na tela aquilo que a vida demonstra todos os dias, e que os teóricos escrevem atualmente em suas obras: há diferentes formas de envelhecer, mesmo quando se está em um mesmo contexto de vida.




Quando abordamos o fundamento do modo de ser da vida e da existência humana - “as mudanças”- , conjuntamente precisamos destacar o que vem junto: “os ganhos e as perdas”. Pois toda mudança implica sempre inevitavelmente, em ganhos e perdas. Claro que se os ganhos advindos dela foram maiores dos que as perdas, dizemos na maioria das vezes que a mudança foi boa. Mas pode ocorrer noutras vezes de as perdas serem muito superior aos ganhos obtidos, e nestes casos, as mudanças costumam ser observadas como difíceis e até mesmo negativas.


Os serem humanos conhecem a impermanência da vida, mas não conseguem viver sem a ilusão de sua permanência. Por exemplo, todos morremos um pouco a cada novo dia. Porém, não nos damos conta disso, e quando por algum motivo, em um certo momento de lucidez nos assalta a consciência da morte e do processo de envelhecimento, as pessoas se abalam. A maioria de nós prefere viver na ilusão e no esquecimento destes fatos no embalo do cotidiano, ainda que saibamos que todos estamos condenados a essa trajetória existencial. 


Se há algo que iguala a todos os seres humanos, ricos ou pobres, intelectuais ou iletrados, com mais ou menos idade, é o fato de que enquanto vivemos todos estamos condenados ao envelhecimento contínuo e à morte certa. O que difere é a forma como cada qual lida e dá conta dessa certeza existencial.


Gilberto Safra, ao abordar em uma aula o tema “Maturidade e Morte”1, destaca a importância dos psicólogos clínicos compreenderem as diferentes formas da morte aparecer no horizonte da existência ao longo do ciclo vital, para poder ajudarem seus pacientes a lidarem com ela segundo a demanda do momento na psicoterapia. Para ele a morte aparece com destaque em alguns momentos do ciclo vital, os quais destacaremos aqui, ao menos 3 momentos principais. Como “Agonia Impensável” ao bebê ao qual falta o holding no início da vida. Como “Experiência Sociocultural", referindo-se à pessoa jovem/adulta que não consegue fazer uma inscrição ou entrada comunitária no campo sociocultural, não tendo uma participação efetiva de cooperação na comunidade e na vida social através de sua vocação, o que não lhe possibilita realizar-se socioculturalmente. E ainda, no final da vida, na velhice, quando a  morte aparece sobretudo no "registo existencial", claramente demarcada com a ideia de limite de tempo para a vida, e é vislumbrada no próprio projeto de vida da pessoa.

Sobre a primeira inscrição da morte na vida, não abordaremos aqui neste texto, visto que ela aborda a infância, fase que não é de interesse na presente reflexão. O leitor interessado deverá remeter-se ao trabalho de Safra1  para aprofundar o assunto.


Quanto ao segundo momento em que a morte costuma aparecer no ciclo vital, é já na etapa do jovem adulto, quando através de sua escolha vocacional, no exercício de uma atividade na vida, o jovem por algum motivo, não consegue entrada para servir à sua comunidade e à sociedade, e não consegue realizar-se enquanto pessoa. Nessa etapa, quando por algum fator ele é impedido ou sente-se impossibilitado de dar sua contribuição social efetiva, é como se ele morresse socialmente. Essa morte é vivida no campo sociocultural. Essa forma como os outros vêm a contribuição de um jovem ou adulto à comunidade ou sociedade através de uma vocação, é segundo Safra, importantíssima. Sendo que a não realização de si nesta dimensão é vivida efetivamente como uma morte. Uma morte não a partir da interioridade, mas sim do espaço sociocultural. E a não vivência desta experiência de contribuição social e cultural à comunidade, nesta etapa da vida, pode vir a atormentar ou pedir uma revisão posterior, na etapa seguinte, na terceira idade.


Nesta fase, segundo Safra, realiza-se uma “contabilidade existencial”, é uma etapa de ponderação (revisão), reorganização, e decisão. Uma fase na qual, segundo ele, se recolocam as questões da potência, da impotência e da onipotência. Onde o perdão é um tema absolutamente essencial, e o seu reverso, o ressentimento, pode aparecer voltado para o outro, para a vida, ou para si mesmo (um ressentimento ligado às questões que não foram resolvidas). Para ele, as pessoas têm um encontro marcado com as questões significativas às quais elas foram “empurrando com a barriga”, mas que nesta etapa da vida, não há mais tempo para isso.


Safra destaca o fato de que resolver qualquer ressentimento para consigo, com o outro e com a vida, ligado à sua história de vida e realização pessoal, é fundamental, pois, quando isso não ocorre, não há possibilidade da pessoa realizar-se por procuração, algo tão fundamental nesta etapa da vida, bem como, da pessoa efetivamente tornar-se avó ou avô. Antes pelo contrário, a pessoa ressentida adota uma postura de competição com as gerações mais novas, e não conseguem também outorgar às gerações mais jovens a possibilidade de realização. Outra forma de autorealização é ainda, a possibilidade de  realizarem-se em novos projetos, já que os antigos, não foram possíveis, e precisam ser revisados ou descartados.

Quando abordamos a possibilidade de realização por procuração é bom esclarecer do que se trata. Segundo Safra, as pessoas idosas têm a possibilidade de se realizarem através das gerações mais novas, buscando caminhos de vida que as possibilite auxiliar os mais jovens em sua autorealização. Assim os idosos realizam-se por identificação ou procuração. Isso acontece por exemplo, quando os idosos liberam os mais jovens para a sua autorealização, em questões nas quais eles mesmos não conseguiram libertar-se de amarras as quais os impediram de realizarem-se enquanto pessoa. Por exemplo, se a pessoa não conseguiu realizar-se afetivamente por amarras e tabus familiares que o prendiam, liberam as gerações mais novas destes tabus visando a sua realização. Ou ainda, a pessoa que não conseguiu estudar porque precisava trabalhar, e agora possibilita que seu neto que deseja estudar em tempo integral o faça, ajudando na realização de seu sonho que exige estudos em tempo integral. Mas para que essa possibilidade de realização por procuração ocorra, segundo Safra, é necessário que a pessoa realize uma aceitação de sua condição, e possa lidar com a questão do sentido da vida. Pois da mesma forma que para o bebê no início da vida o colo como holding é fundamental, para o idoso, isso é dado pelo sentido existencial.

O filme “O Exótico Hotel Marigold” aborda de modo bastante aprofundado e realista estes aspectos acima destacados, servindo como uma belíssima ilustração destes conceitos.



Segundo Safra, quando o idoso trabalha essa questão dos ressentimentos quanto aos desejos de realização passados, a aceitação de sua condição atual, a possibilidade de autorrealização por procuração, o trabalho de suas questões significativas de vida, dando atenção à questão crucial desta fase da vida que é: “O que me levaria a estar pronto para morrer?” Quando ela exercita o perdão e lida com sua “contabilidade existencial”, suas questões de potência, impotência e onipotência, ela tem a possibilidade de lidar e lida (muitas vezes), com a morte como término (o fim de um percurso), e não como interrupção.

Para ele a morte tem estas duas formas de aparição na vida: como interrupção, ou como o completar da vida. E isso independe da idade. Trata-se de uma questão de término de uma experiência, de um percurso. Essa ideia, também fica muito bem ilustrada no filme anteriormente citado, na morte do único idoso que morre na história, Graham.



Outro filme que aborda o tema da morte, mas agora a morte como interrupção, é o filme Sete vidas. Essa película aborda o tema do suicídio do personagem principal, Bem Thomas. Neste filme também é possível encontrar boas ilustrações para várias das ideias trabalhadas por Safra na obra referida, como por exemplo, a sua ideia de que “todas as pessoas anseiam morrer em companhia”. No filme, chama a atenção que mesmo neste caso de suicídio, representado por Bem Thomas, ele cerca-se de pessoas às quais decide doar seus órgãos após a morte.



Outra possibilidade de ilustração das ideias de Safra através do filme Sete Vidas, é a ideia de que é possível a convivência com a instabilidade sem que isso signifique impotência e sim, competência e manutenção da integridade existencial. Contudo, no filme a ilustração é possível através de um exemplo que mostra o aspecto negativo desta ideia, ou seja, como Bem Thomas, não conseguiu manter sua integridade existencial diante de um sentimento de culpa pelo qual fora tomado. Em sua palestra, Safra refere-se a essa ideia de preservação da integridade existencial, dando o exemplo de quando a experiência de instabilidade marca o corpo de alguém. Quem já trabalhou em reabilitação sabe - diz ele, da importância de ajudar a pessoa a perceber que a sua integridade como ser humano não foi atingida apesar de ter sido seu corpo atingido. Pois a pessoa- diz ele- pode fazer uma ruptura a partir daquela experiência corporal, e entrar num funcionamento melancólico. Justamente o que ocorreu com Bem Thomas, só que no filme, não foi devido a uma experiência de doença que marcou o seu corpo, mas a culpa, pela morte de sua esposa num acidente automobilístico no qual ele estava diretamente envolvido, que marcou a sua alma.

Pensar a morte, as perdas da vida, a culpa, as doenças que marcam o corpo e a alma, as escolhas que são realizadas na vida, e com isso as mudanças advindas com as consequentes perdas e ganhos,  não é uma empreitada simples, nem fácil, porém essencial aos profissionais que trabalham com gente, e que pensam a vida. Indico estes dois filmes e o DVD da palestra de Gilberto Safra para que possam ser assistidos e refletidos.



Flávia Diniz Roldão
Psicóloga, Pedagoga e Teóloga. Psicoterapeuta individual, de casais e familias. Trabalha com Arteterapia e desenvolvimento humano.
Contato: flaviaroldao@gmail.com



Referências:
Imagens disponíveis em: 
Trailers dos filmes:
https://www.youtube.com/watch?v=zXkJW7ar0AE
http://www.livrariaresposta.com.br/v2/produto.php?id=380 


 

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

VOCÊ DESEJA CONTINUAR LUTANDO BOXE NO AMOR ?

 

Dias atrás fui surpreendida numa conversa com alguém que se referiu ao seu relacionamento conjugal em processo de separação, como uma luta de boxe. Fiquei pensando: eu, detestaria passar tanto tempo lutando boxe com a pessoa que um dia escolhi para amar.

 

Penso no casal como um par de dançarinos (mais ou menos do mesmo tamanho, uma estrutura física semelhante). Penso na relação amorosa como uma dança. É verdade porém, que existem muitos diferentes tipos de danças, e há danças que são extremamente diferentes. Por exemplo, basta pensar no Tango e na Dança do Ventre. Só para destacar uma diferença entre essas danças, no Tango é necessário um par para dançar, já a Dança do Ventre é uma dança solitária.


Mas voltando à metáfora da luta de boxe, eu fiquei intrigada me indagando: Pode alguém no relacionamento amoroso gostar de passar boa parte do tempo e da vida lutando boxe? Como os lutadores demonstram o seu afeto? Existe afeto numa luta de boxe? Onde querem chegar os boxeadores? Quando terminará esta luta? Se as pessoas não vivem sem afeto, de onde ambos obterão afeto para alimentar a sua vida? Se estes boxeadores possuem filhos, o que os filhos aprendem com eles sobre o que é ser um casal e o que é ter um par amoroso ? O que aprendem sobre o que é dar afeto, o que é relacionar-se intimamente numa relação conjugal, e o que é ser família?


Finalmente em meio a tantas questões, indaguei: Que outras metáforas poderiam substituir uma luta de boxe ou um par de dançarinos ao refletirmos sobre as relações amorosas ? Se os boxeadores parassem de lutar, qual outro modelo de relação amorosa gostariam de construir para si no futuro? Como disse Furlan “... as transformações não têm data para acabar: o processo é contínuo, dinâmico e perene.”

Modelos inadequados de relacionamento podem ser superados desde que haja desejo e comprometimento.

Após a minha reflexão, fiquei com vontade de perguntar, à pessoa que me ensinou mais esta metáfora sobre a relação amorosa: Você deseja mesmo continuar lutando boxe no amor ?

Flávia Diniz Roldão
Psicóloga, Pedagoga e Teóloga. Psicoterapeuta individual, de casais e familias. Trabalha com Arteterapia e desenvolvimento humano.
Contato: flaviaroldao@gmail.com