Reflexões
a partir dos três primeiros capítulos do livro: O Projeto Éden: a
busca do Outro mágico. James Hollis, Paulus, 2002. Coleção Amor e
Psiquê.
O livro “Projeto Éden” é (desafia-DOR). Desafia à nossa
dor. Alerta sobre quantas vezes buscando a felicidade,
incoscientemente deposita-mo-la no Outro como nosso salvador, aquele
que vai nos “levar de volta para casa” (Hollis, 2002). Toca nossa
ferida, lembra-nos da condição humana mútua que habita dois seres
em relação. Coloca-nos com os pés no chão, nos devolvendo a
consciência. Lembra-nos de que o jardim perdido não pode ser
resgatado. Explica Hollis: “todo relacionamento é o anseio por
retornar” (op.cit. p.17) uma busca essencialmente religiosa “como
atesta a etimologia da palavra 'religião', do latim religare, voltar
a ligar, religar.” (ibidem).

É só através da experiência da perda que a consciência desperta
sobre a impossibilidade e mesmo o absurdo do projeto inicial: ser
salvo pelo “Outro” tão humano e tão falível e vulnerável
quanto eu. Fardo pesado este que sem nos darmos conta, colocamos
sobre o Outro. “A perda repetida do Éden é a condição humana,
mesmo que a esperança de recuperá-la, seja nossa principal
fantasia” - lembra Hollis (op. cit. p. 60). E alerta: “O amor e o
trabalho da alma estão inextrincavelmente entremeados. O Outro
não está aqui para cuidar da nossa alma, mas para ampliar nossa
experiência dela.” (op. cit., p. 78). E destaca: “Quando o
relacionamento não é movido pela NECESSIDADE, mas pela
solicitude para com o outro enquanto outro, então estamos
verdadeiramente livres para vivenciá-lo. Quando nos libertamos de
nossas projeções, abandonamos o projeto 'voltar para a casa',
somos livres para amar. Quando somos livres para amar, somos
presentes, ao mistério encarnado pelo Outro.” (ibidem).

Na tentativa de fugir ao exigente, complexo e duro processo da
individuação, projetamos tal desafio no Outro. Mas lembra Hollis:
“Ninguém fica mais frustrado do que aquele que lava a roupa do
companheiro às custas da sua própria. (p.98). (…) A busca da fusão
geralmente provoca vários sintomas. Nossa psiquê sabe o que é
certo para nós, sabe o que é necessário para o desenvolvimento.
Quando usamos o Outro para fugir da tarefa que nos compete,
fazemo-nos de tolos por um tempo, mas a alma não se deixará
enganar. Ela expressará seu protesto por meio de doenças físicas,
complexos ativados e sonhos agitados. A alma quer sua expressão mais
plena (…).” p.97). Ninguém pode fazer aquilo que só você pode
realizar.
A sua jornada precisa ser corrida por você mesmo. Assumir a
RESPONSABILIDADE pelo seu caminho, as suas escolhas, é tarefa
individual, este é o preço do crescimento e condição essencial
para o processo de individuação (Hollis, p.95).
“Somos viajantes,
todos separadamente. (…) Em nossa solidão tornamos agradável a
viagem do Outro, que por sua vez faz o mesmo conosco. Embarcamos
separadamente e desembarcamos separadamente, e nos dirigimos para
nossos objetivos separadamente.” (p. 74). Hollis lembra o poeta
checo Rainer Maria Rilke: “Esta é a tarefa mais importante da
relação entre duas pessoas: uma deve estar sempre atenta à solidão
da outra.” (Rilke apud Hollis, op.cit. p.73), e alerta: “O maior
presente que levamos para o relacionamento somos nós mesmos.”
(ibidem). Hollis coloca o diálogo entre o Eu e o Outro como a
“psicodinâmica que dá orígem e promove o crescimento' (p.70).
Não apenas abordando a questão do relacionamento e do amor, o livro trata também
de conceitos e ideias sobre o casamento. Usa para
falar do casamento a metáfora da conversação, e fala de casamento
como relação de profundidade e com caráter de compometimento.
Hollis entende que o princípio de toda relação é a projeção,
esse voltar-se para o outro, amar no Outro e reconhecer nele, coisas
que não reconhecemos em nós mesmos, encantar-mos-nos com ele. Por
isso é importante sempre perguntar: “O que isso diz de mim ?”
(op. cit. p. 69), “Que parte minha foi projetada, e com que
objetivo?” (p.63) - para recuperar a parte de nós mesmos que nele
foi projetada, reverter a projeção.
Mas TODA projeção é
inconciente, “pois, no momento mesmo em que a pessoa observa 'Fiz
projeção', ela já está no processo de recuperá-la. “ (p.41). E
cita Jung: “(...) Projeção é sempre o inconsciente ativado que
procura expressão.” (Jung apud Hollis, p.64)
É útil a descrição que Hollis faz de como detectamos projeções,
destacando 3 maneiras (p.63):
1 Existem situações previsíveis em que os complexos, ou
projeções , têm probabilidade de serem ativados. De modo geral,
toda a esfera da intimidade (…).
2 As projeções podem ser sentidas fisicamente: estômago
embrulhado, coração acelerado, mãos suadas e outras sensações
são estados somáticos que nos alertam para a probabilidade de
projeção (…).
3 A quantidade de energia descarregada é sempre desproporcional à
situação (…).
A despeito da dor causada pela projeção na fase em que o desgaste
dela acontece, Hollis defende a ideia de que relacionamento é
questão de transformação:
“Para
quem tem a felicidade de encontrar o amor desinteressado, o
relacionamento é transformador. Somos muito mais ricos depois, mesmo
com a perda e o conflito, do que éramos antes. Podemos ser
agradecidos por essa riqueza. Podemos até bendizer os que nos
feriram, pois foram eles que deram a contribuição maior para nossa
transformação. Podemos até ama-los deixando que sejam quem são,
mesmo enquanto nos debatemos para ser nós mesmos na jornada (…).”
No
final do processo iniciado com a projeção que dá início ao
relacionamento, temos a possibilidade, se não nos perdermos nos
meandros do mal uso poder no processo de reversão, de re-encontrarmos
a nós mesmos. Darmos boas vindas de volta à partes de nós até
então adormecidas, que poderão ser novamente re-conhecidas, às vezes transformadas, e
re-integradas em nós de modo consciente e profundo.
Apesar
de belo, tal processo ocorre de modo por vezes difícil, permeado por
dor e a necessidade de vencer medos, dentre os quais, o medo de
novamente reviver o sentimento do abandono. Contudo, vencer o medo é
crucial no processo de se deixar amar. “A capacidade de sofrer a
ferida e de aprender adaptar-se a ela é crucial. (…) A questão
mais profunda, porém, é se somos nós que temos as feridas ou se
são elas que nos têm (p.22).
Já
antes lemos nos Evangelhos (cuja palavra significa “Boa Nova, Boa
notícia):
“O verdadeiro amor, lança fora todo o medo.”
Flávia Diniz Roldão
Psicóloga, Pedagoga e Teóloga.
Psicoterapeuta individual, de casais e familias.
Trabalha com Arteterapia e desenvolvimento humano.
Contato: flaviaroldao@gmail.com
Referências:
HOLLIS, James. O Projeto Éden: a busca do outro mágico. São Paulo: Paulus, 2002.
Imagens :
Facebbok