sábado, 9 de março de 2013

QUANDO O MEDO ENCOLHE AS PESSOAS



 
Tempos atrás comprei uma boneca bem interessante. Ela vem com as pernas encolhidas presas entre os braços. Os braços formam um nó que segura e paralisa as pernas. Comprei também uma lata de lixo um pouco maior do que ela, e criei uma história, onde essa boneca passa a morar nesta lata de lixo devido a baixa autoestima.

Me peguei pensando que esta mesma boneca utilizada na clínica e em palestras, para trabalhar o tema da baixa autoestima com mulheres, quando sozinha e sem a lata de lixo que a acompanha, pode ser também utilizada como uma metáfora para trabalhar acerca do que o medo as vezes faz com as pessoas: paralisa-as.
 
 
 
 
O sentimento de medo causa no organismo uma reação que prepara para a luta ou fuga. Mas enquanto preparação, não é a ação. É um sentimento paralisador, imobilizador. Num primeiro momento, ele não é nem negativo, nem positivo. Tudo depende de quanto tempo ele dura, a serviço de que ele veio, e como a pessoa lida com ele. Pode ser positivo, quando funciona como alerta para que a pessoa fique atenta a algo perigoso que pode vir a lhe ocorrer se ela continuar adiante. Nesse caso, fazendo uma comparação metafórica com o sinal de trânsito, o medo é como um sinal amarelo, que convida à atenção.
O medo que uma criança tem de colocar a mão no fogo ou o dedo na tomada, pode ser extremamente positivo e protetor. Ou ainda o medo e a atenção consequente de um estado de alerta, que surge quando uma pessoa pensa em realizar algo que envolve certo risco. Nestes casos o medo é algo altamente benéfico.
 
 
O medo passa a ser negativo em pelo menos duas outras situações. Quando a pessoa convive com ele por um longo período de tempo, e quando ele é “ilusório” e “desnecessário”.
No primeiro caso ele é ruim, pois, a reação de medo desencadeia stress no organismo. O stress envolve um longo processo de alterações bioquímicas que impacta o organismo e visa prepará-lo para uma ação de luta ou fuga. O stress “é uma reação psicofisiológica muito complexa que tem a sua gênese na necessidade do organismo fazer face a algo que ameace sua homeostase interna.” (LIPP). Segundo Marilda Lipp, o stress é um processo, e não uma reação única.


Diante do evento estressor, que mobiliza o organismo através de mudanças bioquímicas para o enfrentamento da situação e preservação da vida, se a situação se resolve, e no tema aqui abordado, o medo por exemplo, é superado, o organismo volta à seu equilíbrio natural, ou homeostase. Mas se a situação persiste, instala-se então um processo no qual, o organismo que estava numa primeira fase de stress, a fase de alerta, “que contribui para maior produtividade no ser humano” (LIPP) e que nesta fase podemos considerar um stress bom, segue adentrando a outras fases de mobilização de mais energias na tentativa de resistir ao elemento estressor - o medo. O stress segue então para etapas mais avançadas do processo nas quais as defesas do organismo começam a ceder e ele já não dá mais conta de resistir e recobrar a homeostase. O organismo vai sofrendo desgaste generalizado com consequências diversas como por exemplo, impacto na imunidade e a manifestação de doenças diversas de cunho físico e mental. Segundo Lipp, pode ocorrer a morte como resultado final à tentativas prolongadas de resposta do organismo a um stress que perdura por longo período.
 

A pessoa sob stress sente o impacto deste processo em várias facetas da sua vida: no trabalho, na família e demais relações afetivas e sociais. Conforme Lipp, “No âmbito psicológico e emocional do ser humano, o stress excessivo produz cansaço mental, dificuldade de concentração, perda de memória imediata, apatia e indiferença emocional. A produtividade sofre quedas e a criatividade fica prejudicada. Autodúvidas começam a surgir em virtude da percepção do desempenho insatisfatório. Crises de ansiedade e humor depressivo se seguem. A libido fica reduzida e os problemas de ordem física se fazem presentes. Nestas condições a qualidade de vida sofre um dano bastante pronunciado e frequentemente os pacientes, nesta situação, relatam 'vontade de fugir de tudo'. ” (LIPP)


Mas o medo não é negativo apenas quando ele é vivenciado de modo demorado. Ele é negativo também quando decorre desnecessariamente na vida, quando é ilusório. Há situações nas quais o medo é provocado por uma distorção da percepção. Nestes casos ele não seria necessário, mas acontece muitas vezes pela supervalorização de algo, ou pela pressuposição de algo que realmente não existe, mas passou a existir pela percepção distorcida das coisas, das pessoas ou das relações. Passou a existir na mente da pessoa. Passou a afetar suas emoções, suas ações e sua vida.
 
 

Uma das formas possíveis desse afetamento é a paralisação na vida ou até mesmo, em alguns casos, da própria vida. É nestes casos que digo que o medo encolhe. Metaforicamente falando, ele pode encolher a expressão de pensamentos, a manifestação de afetividade, o progresso na carreira profissional, a construção de novos projetos de vida, a realização de sonhos. Nestes casos, o medo muitas vezes vem acompanhado de preocupação. Uma ocupação e sofrimento antecipados decorrentes de sentimentos e pensamentos de que algo ruim ou catastrófico pode vir a acontecer. O problema é que, a vida da pessoa, sua qualidade de vida, e muitas vezes suas relações são afetadas por essa pre-ocupação, que as vezes, também não seriam necessárias, como por exemplo nos casos de percepção distorcida da realidade.

A boneca encolhida que comprei, faz-me lembrar que a pessoa encolhida fica muito menor do que o seu tamanho real. A pessoa encolhida fica menor do que realmente é, e assim é que se coloca na vida. O medo encolhe. Por isso para seguir a diante é necessário buscar superá-lo para poder desencolher-se e seguir em frente na vida.
 
 
 
Enfrentar os seus medos e aprender a lidar com eles, nem sempre é fácil. É preciso coragem. Mas de fato, viver e não apenas sobreviver enquanto se está vivo, exige ousadia, e o enfrentamento do medo, muitas vezes nos mostra, que aquele sofrimento por ele causado era desnecessário, possibilitando uma renovação da pessoa ao superar aquilo que lhe paralisava, bem como melhores relacionamentos e uma melhor qualidade de vida.
 
 
 

 
Flávia Diniz Roldão
Psicóloga, Pedagoga e Teóloga.
Psicoterapeuta individual, de casais e familias.

Trabalha com Arteterapia e desenvolvimento humano.
Contato: flaviaroldao@gmail.com
 
 
REFERÊNCIAS:
LIPP, M. E. N. Mecanismos neuropsicofisiológicos do stress. In: LIPP, M. E. N. Mecanismos neuropsicofisiológicos do stress: teoria e aplicações clínicas. São paulo: Casa do Psicólogo, 2003.
 
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