sexta-feira, 13 de junho de 2014

VOCÊ TEM PEDRAS OU PORTAS NO SEU CAMINHO ? O rio das perdas.



Hoje pela manhã li um texto de Lya Luft sobre um grupo de psicólogos que trabalha num grande hospital e lhe solicitou uma palestra sobre perdas: O rio das perdas.

Um hospital é um local para pessoas que estão cuidando de alguma doença. Local onde se busca cuidar ou trazer de volta a VIDA.

Mais do que o texto em si, o título ficou ressoando em minha cabeça: “O rio das perdas”. E um trocadilho com a palavra perdas, ressoava também: pedras...pedras e perdas, perdas e pedras.

Lembrei do poema sobre a pedra no caminho de Drumond: “no meio do caminho havia uma pedra. Havia uma pedra no meio do caminho da VIDA”. Passei um tempo refletindo sobre perdas e pedras. E me lembrei da paráfrase de Castro: “Uma porta no meio do caminho”: no meio do caminho tinha uma porta... e o trecho onde ele cita Içami Tiba: “Para a vida, as portas não são obstáculos, mas diferentes passagens. (…) Mas a vida também pode ser dura e severa. Se você não ultrapassar a porta, terá sempre a mesma porta pela frente. É a repetição perante a criação, é a monotonia monocromática perante a multiplicidade das cores, é a estagnação da vida."
Passagens, rios... lembram correntezas. Pedras que são levadas pelas correntezas das águas.

Na vida, enquanto vamos vivendo ocorrem muitos fatos que empedram as emoções. Essas pedras, obstruem a livre circulação e a passagem da VIDA, o sangue que circula pelo corpo e o mantém VIVO. Tal qual no sistema circulatório, onde pode ocorrer obstruções que podem levar a um infarto do coração, na vida essas pedras emocionais que obstruem o caminho, podem levar a diferentes infartos: o infarto das relações, o infarto da família, o infarto da vida profissional, o infarto da felicidade, etc.

Mas ao invés de pedras no caminho da vida, podemos buscar encontrar, enxergar e abrir as “portas no caminho”. Amigos, novos relacionamentos, novos projetos de vida, recomeços e partidas podem ser “portas no caminho”. Precisamos abrir portas no caminho da vida, quando as pedras no caminho estão obstruindo passagens. Uma porta é apenas uma porta. Para você entrar, você precisa encontrá-la e abrí-la. Ela poderá ser encontrada e se manter fechada, até que alguém resolva abrí-la e entrar por ela. Podemos substituir as pedras no caminho por portas no caminho? Escutei uma frase dias atrás que me chamou muito a atenção: “Há pessoas que ficam lambendo as próprias feridas”. Sentem prazer em ficar ali se lambendo e não vão em busca de cura.

Fortes correntezas de águas podem lavar e levar as pedras do caminho. A água é símbolo de lavagem, limpeza, purificação. Na vida, há momentos em que as situações se estabelecem como verdadeiras fortes correntezas. Correntezas que levam... correntezas que limpam... correntezas que desobstruem as pedras do caminhos e limpam a área para que as águas voltem a correr desimpedidas. São águas purificadoras.

E pensando em águas purificadoras me vem à mente a imagem do choro que limpa a alma. Dizem que o remédio do luto é choro. O choro que lava a alma. E depois dele, quando ele seca, a alma sente-se lavada e a dor da perda se vai. Rio de perdas que passa pela vida.

Na Bíblia há um texto de esperança: “Os que com lágrimas SEMEIAM, com júbilo ceifarão”. Tem choros que são necessários. Como escreveu Judith Viorst: Há perdas que são necessárias, “Perdas Necessárias”. A perda da infância por exemplo, ou... a perda de vícios, ou a perda de PESOS: são perdas necessárias. Para crescer é necessário perder... deixar ir certas coisas, comportamentos e sentimentos. Mudar!

Quero trocar perdas e pedras por portas no caminho a partir de hoje. Abrir portas e entrar por elas. Portas... portais... que me levem renovadamente de volta para o fluir da VIDA.

Castro lembrou em seu artigo intitulado “Uma porta no caminho” que “há um milagre narrado no Evangelho de Marcos, capítulo 7, que apresenta Jesus curando um surdo-mudo: 'Depois de levá-lo à parte, longe da multidão, Jesus colocou os dedos nos ouvidos dele. Em seguida, cuspiu e tocou na língua do homem. Então voltou os olhos para o céu e, com um profundo suspiro, disse-lhe: ‘Efatá!’, que significa "abra-se!'. Com isso, os ouvidos do homem se abriram, sua língua ficou livre e ele começou a falar corretamente”. ‘Efatá’ é uma palavra do aramaico, língua falada por Jesus, e próxima do hebraico. Esta expressão faz parte do mesmo grupo de palavras ligadas ao sentido de abertura. Jesus não se limitou à cura de uma deficiência física. Ao dizer ‘Efatá’, ele apontou para algo além da abertura da boca e dos ouvidos. Abriu uma porta e deu àquele homem a possibilidade de uma nova vida.”

E por falar em homens, essa semana estava lendo o livro “A grande aventura masculina”. Nesta obra, o autor apresenta sua tese de que “tornar-se homem é a grande e mais perigosa incumbência da vida de um homem.” E lembra a importância fundamental de um pai na vida de um menino: um homem se torna homem na convivência com outros homens. Ele defende que a maior herança que um pai pode deixar para seu filho é a sua demonstração de masculinidade. Contudo, adverte ele: nosso tempo parece ser um tempo sem pai, um tempo de meninos órfãos de pais. E o grande numero de lares constituídos por mulheres como as responsáveis pela criação de filhos em nosso país leva-nos a concordar com a ideia do autor. E para ele, temos hoje muitos homens inacabados, meninos vivendo em corpo de homem, mas que não foram iniciados no caminho de aprenderem a tornarem-se homens, pois para ele a iniciação masculina é uma “JORNADA”, uma série de muitas experiências entrelaçadas que servem de guia, iniciação para que meninos tornem-se homens, passando e crescendo pelos vários ESTÁGIOS da vida, desde a infância até a velhice, desde saberem na meninice que são filhos amados, até chegarem a serem SÁBIOS na velhice. Afinal, qual é a tarefa e a contribuição de um idoso, senão a sua SABEDORIA, depois de ter vivido intensamente as diferentes etapas de sua vida? Diz o autor: “o resultado de termos abandonado a iniciação masculina é um mundo de homens inacabados, e não iniciados”.

Mas na imperfeição característica da vida humana, podemos pensar também sobre as mulheres . É preciso pensar no processo pelo qual uma mulher aprende a verdadeiramente tornar-se mulher: o processo da iniciação feminina? O assunto me lembra o livro “Mulheres que correm com lobos”. Nele CLARISSA PINKOLA ESTES, tal qual JOHN ELDREGE em seu livro “A grande aventura masculina”, abordam respectivamente, ela sobre o resgate do ser mulher e ele, sobre a iniciação masculina dos homens, contando e relembrando histórias. Ela, relembra histórias seculares, ele, faz o mesmo relembrando histórias contidas na Bíblia e contando as suas próprias histórias de vida.

Lembro-me de uma pergunta de Aquarela no poema “Aprendendo a ser feliz”: “Vida! Que vida é esta que não ensinou a maioria a viver?” É preciso então aprender... se queremos não apenas sobreviver... mas... VIVER! Precisamos reconhecer que somos aprendizes, e adotarmos uma postura de seres ensináveis diante da vida. Aprendentes que deixam as correntezas levarem as pedras das experiências e emoções embrutecidas. Aprendentes que abrem novas portas e criam coragem suficiente para entrar por elas. Aprendentes da VIDA que deseja ser vivida e não apenas sermos sobreviventes, pois viver, é muito … mas muito mais do que apenas SOBREVIVER.

E assim vamos seguindo a vida … “numa passarela de uma Aquarela, que um dia enfim... des-co-lo-ri-rá.” (Toquinho).

                                            A alegria e a dor são como um tecido espesso,

uma veste para a alma.

Sob cada angústia e sofrimento

perpassa a alegria, como fios de seda.

Está certo que seja assim,

O homem foi feito para a alegria e para a dor,

e quando nos convencermos bem disso,

caminharemos mundo a fora.

(Rubens Correa)
referências:
CASTRO, C. P. Uma porta no meio do caminho.
ELDREDGE, J. A grande aventura masculina.
ESTÉS, C. S. Mulheres que com lobos.
Bíblia.
Fonte de imagem:

quarta-feira, 4 de junho de 2014

APRENDENDO A SER LEVE no contexto da família

 

(Texto construído a partir de uma interpretação livre 
 da mensagem compartilhada pelo Rev. Edison Primo
na III IPI de Curitiba em 31 de maio de 2014)


"Venham a mim, todos os que estão cansados e sobrecarregados, e eu lhes darei descanso.
Tomem sobre vocês o meu jugo e aprendam de mim, pois sou manso e humilde de coração, e vocês encontrarão descanso para as suas almas.
Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve".
                                                          Mateus 11:28-30 (NVI)


Vocês estão cansados, enfastiados de religião?
                                                                    Venham a mim! 
Andem comigo e irão recuperar a vida. 
Vou ensiná-los a ter descanso verdadeiro. 
Caminhem e trabalhem comigo! 
Observem como eu faço! 
Aprendam os ritmos livres da graça! 
Não vou impor a vocês nada que seja muito pesado ou complicado demais. 
Sejam meus companheiros e aprenderão a viver com liberdade e leveza”.
(Mateus 11:28-30 - Bíblia A Mensagem)

 

Leve, significa de pouco peso, fácil de mover ou movimentar-se, termo contrário a pesado, antonimo de sobrecarga.

Jesus nesta passagem bíblica
(que aborda a questão da espiritualidade e não da religião pregada pelos fariseus de sua época) 
está perguntando aos seus ouvintes:
Vocês querem ser leves? Estão cansados? Sentem-se sobrecarregados?

Caso a resposta seja afirmativa, dá-lhes uma direção:
“Sejam meus companheiros e aprenderão a viver com liberdade e leveza” (Mt. 11:.30).


Há pessoas e famílias sobrecarregadas com cargas pesadas demais nesta vida. Estão a evitar que o peso da vida, da matéria, as esmague. Buscam diferentes caminhos para o alívio desses fardos.  Por vezes já realizaram sua busca em muitos recursos e diferentes espaços sociais que a vida oferece, na tentativa de encontrar caminhos na lida com os problemas cotidianos. A espiritualidade oferece saídas que são de uma outra lógica diferente da lógica material. Envolve o exercício da fé. É uma outra forma de conhecimento e intervenção na vida. Dentro desta lógica espiritual, Jesus oferece o caminho: “Venham a mim”. “Caminhem comigo”. Esse convite dá uma ideia de leveza que é criada... na caminhada.

Ser família é relacionar-se (exercitar-se? aperfeiçoar-se? mover-se?).
E uma relação entre dois ou mais seres humanos complexos é sempre uma empreitada pelos meandros da complexidade, um desafio! Mas não um desafio impossível, e pode ser um desafio passível de êxito, segundo as orientações do Cristo: “Eu vou ajudar vocês. Vou tornar leve o fardo e o jugo que carregam”. Jesus promete ser PRESENÇA atenciosa e ativa.

Para Primo, na prática ocorrem 3 mudanças no contexto da família quando seus membros trocam o jugo pesado que carregam pelo jugo de Jesus:
 
       1.  As pessoas passam a valorizar mais as RELAÇÕES com PESSOAS do que as coisas (coisas   de todos os tipos!).

       2.  As pessoas obtém conforto, segurança e tranquilidade, mesmo nos momentos difíceis, pois podem ter a confiança de que não estão sozinhas – Jesus (o seu mestre) está com eles. É sua fonte de resiliência – O TOTALMENTE OUTRO (Deus) é o outro significativo com quem eles podem contar.

       3.  Dentro do lar, as pessoas passam a manifestar Deus em SENTIMENTOS e ATITUDES (por exemplo, perdoando – que é um comportamento muito diferente da lei do “olho por olho e dente por dente").
 
 
    O texto aborda o termo canga ou jugo. Segundo Primo, na canga ou jugo, seguem dois bois. O boi mais experiente vai direcionando o caminho do mais fraco e inexperiente. Simbolicamente este mais experiente é Jesus Cristo, aquele que guia e auxilia a levar o fardo da vida. Tal qual também nos lembra o poema "Pegadas na areia".
 


Nos dias atuais, a utilização de metáforas ligadas ao ambiente rural pode não ser algo tão comum, pois o contexto urbano no qual vivem a maioria das famílias atualmente, é um contexto diferente deste. Porém, muitas das parábolas contadas por Jesus e narradas na Biblia utilizam símbolos do contexto rural, que era o contexto da época em que elas foram formuladas e contadas.

Há um convite realizado por Jesus neste texto. Um convite, é apenas um convite. Quem o recebe pode ou não responder positivamente. Mas essa é uma possibilidade: responder afirmativamente ao convite à leveza. De onde ela vem? Das facilidades da vida? Não. Da segurança de que nas dificuldades da vida os membros da família não estão sozinhos; podem contar com o Cristo que os ajuda a seguir com leveza.
Se formos observar o contetxto atual, na prática, atualmente, leveza não é um termo muito associado ao Cristianismo. Tal qual os fariseus na época de Jesus enfatizavam a lei duramente, por vezes a religião cristã deixou a sua essência em segundo plano. Ela deu ênfase demasiada à dureza da lei e dos rituais religiosos, em detrimento da vivência das Boas Novidades da graça, trazida pelo Evangelho proclamado pelo Cristo. Mas este texto bíblico é claro, Jesus afirma: “Aprendam os ritmos livres da graça! Não vou impor a vocês nada que seja muito pesado ...”

É possível trocar um jugo pesado por outro mais leve. Trans-formar-se! A vida pode ser mais leve. A vida cristã pode ser leve. A vida em família pode ser leve. Isso é uma possibilidade aberta à todas as famílias. Não precisamos nos comportar como se fossemos imutáveis "cemitérios de automóveis enferrujados" (CALVINO, 1990).
 
O convite já foi feito. Porém, esse texto trata da questão da espiritualidade, esse é um assunto de fé, e pede uma resposta de fé. Uma resposta que só pode ser dada afirmativamente por alguém que crê na leveza como uma promessa, uma possibilidade, a partir do convite realizado e da direção dada pelo Cristo: “Venham a mim. Eu vou aliviar a carga de vocês.


REFERÊNCIAS
Mensagem transmitida por Edson Primo na III IPI de Curitiba, 31 de maio de 2014.
Bíblia NVI
Bíblia A Mensagem
CALVINO, Ítalo. Leveza. In: _____. Seis propostas para o próximo milênio. SP: Companhia das Letras,1990.

REFERÊNCIAS DAS IMAGENS:
1 http://br.freepik.com/vetores-gratis/familia-silhuetas-sombra-danca-preto-branco-inteligente-fundo-vetor-vida-livre_675612.htm
https://www.facebook.com/BrasilAline/photos/a.315223025223738.76294.268690599876981/684033338342703/?type=1&theater 
http://madujazz.wordpress.com/2010/11/28/vinde-a-mim/

 
Flávia Diniz Roldão
Teóloga. Psicóloga. Pedagoga.