Hoje pela manhã li um texto de Lya Luft sobre um grupo de psicólogos que trabalha num grande hospital e lhe solicitou uma palestra sobre perdas: O rio das perdas.
Um hospital é um local
para pessoas que estão cuidando de alguma doença. Local onde se
busca cuidar ou trazer de volta a VIDA.
Mais do que o texto em
si, o título ficou ressoando em minha cabeça: “O rio das
perdas”. E um trocadilho com a palavra perdas, ressoava também:
pedras...pedras e perdas, perdas e pedras.
Lembrei do poema sobre
a pedra no caminho de Drumond: “no meio do caminho havia uma pedra.
Havia uma pedra no meio do caminho da VIDA”. Passei um tempo
refletindo sobre perdas e pedras. E me lembrei da paráfrase de
Castro: “Uma porta no meio do caminho”: no meio do caminho tinha
uma porta... e o trecho onde ele cita Içami Tiba: “Para a vida, as
portas não são obstáculos, mas diferentes passagens. (…) Mas a vida também
pode ser dura e severa. Se você não ultrapassar a porta, terá
sempre a mesma porta pela frente. É a repetição perante a criação,
é a monotonia monocromática perante a multiplicidade das cores, é
a estagnação da vida."
Passagens, rios...
lembram correntezas. Pedras que são levadas pelas correntezas das
águas.
Na vida, enquanto vamos
vivendo ocorrem muitos fatos que empedram as emoções. Essas pedras,
obstruem a livre circulação e a passagem da VIDA, o sangue que
circula pelo corpo e o mantém VIVO. Tal qual no sistema
circulatório, onde pode ocorrer obstruções que podem
levar a um infarto do coração, na vida essas pedras emocionais que
obstruem o caminho, podem levar a diferentes infartos: o infarto das
relações, o infarto da família, o infarto da vida profissional, o
infarto da felicidade, etc.
Mas ao invés de pedras
no caminho da vida, podemos buscar encontrar, enxergar e abrir as
“portas no caminho”. Amigos, novos relacionamentos, novos projetos
de vida, recomeços e partidas podem ser “portas no caminho”.
Precisamos abrir portas no caminho da vida, quando as pedras no
caminho estão obstruindo passagens. Uma porta é apenas uma porta.
Para você entrar, você precisa encontrá-la e abrí-la. Ela poderá
ser encontrada e se manter fechada, até que alguém resolva abrí-la
e entrar por ela. Podemos substituir as pedras no caminho por portas
no caminho? Escutei uma frase dias atrás que me chamou muito a
atenção: “Há pessoas que ficam lambendo as próprias feridas”. Sentem prazer em ficar ali se
lambendo e não vão em busca de cura.
Fortes correntezas de
águas podem lavar e levar as pedras do caminho. A água é símbolo de
lavagem, limpeza, purificação. Na vida, há momentos em que as
situações se estabelecem como verdadeiras fortes correntezas.
Correntezas que levam... correntezas que limpam... correntezas que
desobstruem as pedras do caminhos e limpam a área para que as águas
voltem a correr desimpedidas. São águas purificadoras.
E pensando em águas
purificadoras me vem à mente a imagem do choro que limpa a alma.
Dizem que o remédio do luto é choro. O choro que lava a alma. E
depois dele, quando ele seca, a alma sente-se lavada e a dor da perda
se vai. Rio de perdas que passa pela vida.
Na Bíblia há um texto
de esperança: “Os que com lágrimas SEMEIAM, com júbilo
ceifarão”. Tem choros que são necessários. Como escreveu Judith
Viorst: Há perdas que são necessárias, “Perdas Necessárias”.
A perda da infância por exemplo, ou... a perda de vícios, ou a
perda de PESOS: são perdas necessárias. Para crescer é necessário
perder... deixar ir certas coisas, comportamentos e sentimentos.
Mudar!
Quero trocar perdas e
pedras por portas no caminho a partir de hoje. Abrir portas e entrar
por elas. Portas... portais... que me levem renovadamente de volta
para o fluir da VIDA.
Castro lembrou em seu
artigo intitulado “Uma porta no caminho” que “há um milagre
narrado no Evangelho de Marcos, capítulo 7, que apresenta Jesus
curando um surdo-mudo: 'Depois de levá-lo à parte, longe da
multidão, Jesus colocou os dedos nos ouvidos dele. Em seguida,
cuspiu e tocou na língua do homem. Então voltou os olhos para o céu
e, com um profundo suspiro, disse-lhe: ‘Efatá!’, que significa
"abra-se!'. Com isso, os ouvidos do homem se abriram, sua língua
ficou livre e ele começou a falar corretamente”. ‘Efatá’ é
uma palavra do aramaico, língua falada por Jesus, e próxima do
hebraico. Esta expressão faz parte do mesmo grupo de palavras
ligadas ao sentido de abertura. Jesus não se limitou à cura de uma
deficiência física. Ao dizer ‘Efatá’, ele apontou para algo
além da abertura da boca e dos ouvidos. Abriu uma porta e deu àquele
homem a possibilidade de uma nova vida.”
E por falar em homens,
essa semana estava lendo o livro “A grande aventura masculina”.
Nesta obra, o autor apresenta sua tese de que “tornar-se homem é a
grande e mais perigosa incumbência da vida de um homem.” E lembra
a importância fundamental de um pai na vida de um menino: um homem
se torna homem na convivência com outros homens. Ele defende que a
maior herança que um pai pode deixar para seu filho é a sua
demonstração de masculinidade. Contudo, adverte ele: nosso tempo
parece ser um tempo sem pai, um tempo de meninos órfãos de pais. E
o grande numero de lares constituídos por mulheres como as
responsáveis pela criação de filhos em nosso país leva-nos a
concordar com a ideia do autor. E para ele, temos hoje muitos homens
inacabados, meninos vivendo em corpo de homem, mas que não foram
iniciados no caminho de aprenderem a tornarem-se homens, pois para
ele a iniciação masculina é uma “JORNADA”, uma série de muitas
experiências entrelaçadas que servem de guia, iniciação para que
meninos tornem-se homens, passando e crescendo pelos vários ESTÁGIOS
da vida, desde a infância até a velhice, desde saberem na meninice
que são filhos amados, até chegarem a serem SÁBIOS na velhice.
Afinal, qual é a tarefa e a contribuição de um idoso, senão a sua
SABEDORIA, depois de ter vivido intensamente as diferentes etapas de
sua vida? Diz o autor: “o resultado de termos abandonado a
iniciação masculina é um mundo de homens inacabados, e não
iniciados”.
Mas na imperfeição
característica da vida humana, podemos pensar também sobre as mulheres . É preciso
pensar no processo pelo qual uma mulher aprende a verdadeiramente
tornar-se mulher: o processo da iniciação feminina? O assunto
me lembra o livro “Mulheres que correm com lobos”. Nele CLARISSA
PINKOLA ESTES, tal qual JOHN
ELDREGE
em seu livro “A grande aventura masculina”, abordam respectivamente, ela sobre o
resgate do ser mulher e ele, sobre a iniciação masculina dos
homens, contando e relembrando histórias. Ela, relembra histórias
seculares, ele, faz o mesmo relembrando histórias contidas na Bíblia
e contando as suas próprias histórias de vida.
Lembro-me
de uma pergunta de Aquarela no poema “Aprendendo a ser feliz”:
“Vida! Que vida é esta que não ensinou a maioria a viver?” É
preciso então aprender... se queremos não apenas sobreviver...
mas... VIVER! Precisamos reconhecer que somos aprendizes, e adotarmos
uma postura de seres ensináveis diante da vida. Aprendentes que
deixam as correntezas levarem as pedras das experiências e emoções
embrutecidas. Aprendentes que abrem novas portas e criam coragem
suficiente para entrar por elas. Aprendentes da VIDA que deseja ser
vivida e não apenas sermos sobreviventes, pois viver, é muito …
mas muito mais do que apenas SOBREVIVER.
E
assim vamos seguindo a vida … “numa passarela de uma Aquarela,
que um dia enfim... des-co-lo-ri-rá.” (Toquinho).
A
alegria e a dor são como um tecido espesso,
uma
veste para a alma.
Sob
cada angústia e sofrimento
perpassa
a alegria, como fios de seda.
Está
certo que seja assim,
O
homem foi feito para a alegria e para a dor,
e
quando nos convencermos bem disso,
caminharemos
mundo a fora.
(Rubens
Correa)
referências:
CASTRO, C. P. Uma porta no meio do caminho.
ELDREDGE, J. A grande aventura masculina.
ESTÉS, C. S. Mulheres que com lobos.
Bíblia.
Fonte de imagem: