Álbuns são compostos por fotos. Fotos mostram a diversidade, a composição, e registram/guardam/marcam os diferentes momentos (cenas congeladas).
O filme "Álbum de Família", de John Wells, é tenso, denso! Dá a vontade de desistir de assisti-lo em vários momentos. É muita gritaria, muito problema junto... ou melhor, uma coleção de cenas (fotos) de problemas juntos. Arte imitando a vida?
Já alertou a terapeuta familiar Froma Walsh: "Dois MITOS da família 'normal' perpetuam uma visão triste da maioria das famílias. Um é a crença de que as famílias saudáveis são isentas de problemas. (...) Essa crença -[diz Froma, citando outro terapeuta familiar chamado Minuchin] tendeu a patologizar as famílias comuns que procuram enfrentar os estresses e as mudanças desorganizadoras que fazem parte da vida (Minuchin, 1974 apud Froma, 2005). Nenhuma família está isenta de problemas. Coisas desagradáveis do infortúnio atingem a todos, de várias maneiras e em vários momentos da vida. O que distingue as famílias saudáveis não é a ausência de problemas, mas a maneira de enfrenta-los e a competência para resolver um problema. Um segundo mito é a crença de que a 'família tradicional' idealizada é o único modelo possível para uma família saudável. Para a maioria, isso invoca a imagem, da década de 1950, de uma família branca, rica e nuclear conduzida por um provedor/pai e apoiada por uma dona-de-casa/mãe em tempo integral."
São mitos estes, pois, conflitos, problemas, crises, mudanças e estruturas diferentes de famílias são realidades presentes desde sempre. E as famílias mesmo dentro do padrão que se poderia chamar "família tradicional", enfrentam muitos problemas e crises.
O que é uma família?
Um sistema de alta complexidade. Um sistema em constante movimento/mudança. E é justamente a simplificação e estagnação deste sistema, que pode torna´- lo disfuncional. São pessoas diferentes, interligadas e influenciando-se mutuamente de forma recursiva.
É na difícil lida com as diferenças, os segredos, as verdades, os sonhos, as lealdades, as fragilidades e as forças, que a família vai construindo a sua história. A história da família. São nos momentos de maior fragilidade, que os pontos não trabalhados na família emergem, suscitando a necessidade de enfrentamento de questões delicadas que foram sendo deixadas de lado, ou "jogadas para debaixo do tapete", mas que urgem então com força total e suscitam serem lidadas.
A união ou desunião nestes momentos faz diferença! Alertou Froma: "Quando os membros da família se unem para enfrentar o desafio, seus vínculos são fortalecidos e os indivíduos podem desenvolver novas áreas de competência." (p.19). Mas esta não é a realidade encenada neste filme. Por isso mesmo tão tenso. Por outro lado, ele ilustra bem o que escreveram Hadley et. al: "Um evento fundamental ou transição perturbadora pode catalisar mudança significativa em um sistema de crença familiar, com reverberações para a reorganização imediata e para a adaptação a longo prazo."(Hadley et al apud Froma, 2005, p. 21). E talvez poucos eventos familiares sejam tão significativos e mobilizadores a uma mudança quanto as perdas, e especialmente a morte.
Lembra-nos Figley que "eventos catastróficos que ocorrem de repente e sem aviso podem ser especialmente traumáticos" (apud Froma, ibidem). E destaca Froma que, "as reverberações, como uma onda de choque, podem se estender por todas as redes familiares(...) em consequência, algumas famílias são devastadas ao passo que outras conseguem se reunir, reerguer e ir em frente." (ibidem). Essa onda de reverberações fica muito bem ilustrada no filme. Após esta morte e o processo posterior vivido pela família, seus membros jamais serão os mesmos, a vida de cada um deles sofrerá mudanças profundas. Para seguir em frente, cada personagem do filme necessitaria criar competência nova e renovada.
Abordando o tema da resiliência familiar, ou seja, dos "processos de preparação da família como uma unidade funcional para o enfrentamento e adaptação às crises e problemas", Froma Walsh destaca que, essa abordagem da família visa "identificar e fortalecer processos interacionais fundamentais que permitem às famílias resistir aos desafios desorganizadores da vida e renascer a partir deles. (...) Muda a perspectiva de se encarar as famílias em situações de angústia como defeituosas, para encará-las como DESAFIADAS, ratificando o seu potencial para o reparo e o crescimento." (p.3).
O evento da morte pode ameaçar a funcionalidade familiar. Mas a morte é parte da vida, uma certeza a ser vivida e enfrentada pelas famílias, de sorte que o trabalho profilático e preventivo pode ser estratégia fundamental no trabalho de saúde mental com famílias. Uma coisa é certa, como bem destacou Froma, a morte exige adaptações, ela deixa buracos e exige reorganizações.
WALSH, Froma. Fortalecendo a Resiliência Familiar. SP: Roca, 2005.
Imagens disponíveis em: http://veja.abril.com.br/noticia/celebridades/em-album-de-familia-as-relacoes-familiares-levadas-ao-extremo
Vídeo: disponível em http://www.youtube.com/watch?v=NME3l2MvpnM
http://www.youtube.com/watch?v=-IRFxJI0Rm8
Flávia Diniz Roldão é psicóloga, psicoterapeuta familiar e de casais, professora universitária. Contato: flaviaroldao@gmail.com