quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Dia da saudade


 (imagem 1)
 
Dizem que 30 de janeiro é o dia da SAUDADE.
Eu nem sabia! Quando comecei a ver as manifestações sobre a saudade no facebook fiquei surpresa: "Uai, saudade tem dia?" - pensei espantada!

Percebi que até ela tem um dia.
Achei interessante, é um dia de nostalgia então? - refleti sorrindo e conversando comigo mesma.

A reflexão evoluiu e eu, que num tempo remoto tinha medo de sentir saudade, porque afinal, saudade dói. Lembrei de algo que certa vez me disseram: "Só temos saudade daquilo que foi bom. Eu quero poder ter muita saudade."

Certo. Porém quem tem saudade é porque perdeu alguma coisa boa que se foi.
Ah... mas se foi, significa que um dia esteve presente (talvez como um presente!). E isso é motivo de celebração e alegria, pois neste caso, a pessoa recebeu um presente (ou alguma 'presença'), mas de qualquer forma, teve oportunidades e possibilidades de viver algo significativo PARA ELA nesta nossa vida única e breve.

Algo bom? Claro, pois saudade mesmo só sentimos daquilo que valeu a pena, daquilo que tivemos e foi bom. Só tem saudade quem teve vivência boa e construiu memórias tão marcantes que ela deseja sempre re-memorá-las.
Pois das nossas construções de memórias nós também deveríamos cuidar! Das lembranças também se cuida!

Mas se é saudade é porque se foi. Tudo bem, se foi, pelo menos você teve "aquilo/ou aquele/ou aquela... coisa/ relacionamento/ momento/ experiência ... que é objeto da sua saudade" nem que seja por um momento.
Então saudade é coisa boa e ruim ao mesmo tempo.

Ah... é como é a vida... sempre feita de contrastes, oposições dançantes que compõem a existência humana.

Ninguém foge da saudade, nem que seja ao menos uma vez na vida. Nem que seja de comer uma comida (aquela especial). Nem que seja de ouvir mais uma vez determinada música. Saudade é formada de lembranças, memórias, histórias.

Depois de algumas elucubrações que me ocorreram sobre a saudade, no Dia da Saudade, eu de repente me peguei dizendo a mim mesma: "Mas deve ser horrível viver de saudade." Isso mesmo, penso que viver de saudade não vale a pena, prefiro viver de construções. Mas é bom poder ter saudade de algumas coisas também.
Dialogando com um poema de Pablo Neruda, eu diria: "Morre lentamente quem não tem saudade."

Afinal, depois de uma certa idade, quando já se acumulou muito mais experiências do que tempo de vida que em potencial ainda resta, ter saudade - de algumas coisas -  pode ser percebido como uma coisa boa: sinal de que  a VIDA VALEU A PENA!

Mas ao mesmo tempo, enquanto há VIDA que pulsa, bom mesmo é VIVER DE CONSTRUÇÕES,  e deixar que a saudade nos habite apenas em momentos específicos, como lembranças de coisas que VALERAM A PENA NA VIDA. Tal qual uma pessoa que folheia um álbum de fotografia contendo um registro dos bons momentos. Afinal, VIDA - só temos uma. E quem vive de saudade, ao se tornar saudosista, enquanto agarra-se a ela perde a oportunidade de viver o PRESENTE, e deixa escapar no tempo as novas experiências que poderia estar vivendo. E cada dia desta nossa vida é único, e não voltará jamais.

E você o que acha? VALE A PENA VIVER DE SAUDADE?
Ou é melhor VIVER DE CONSTRUÇÃO?

 

(imagem 2)

 

REFERÊNCIAS:
IMAGEM 1 publicada em https://www.facebook.com/photo.php?fbid=628172363903534&set=a.625705897483514.1073743888.270793789641395&type=1&theater 

Imagem 2   https://www.facebook.com/photo.php?fbid=454261764675351&set=a.234624476639082.38249.234619246639605&type=1&theater
Vídeo: Publicado em http://www.youtube.com/watch?v=so-BV9R_BAM


Flávia Diniz Roldão
Psicóloga, Pedagoga e Teóloga. Psicoterapeuta individual, de casais e familias. Trabalha com Arteterapia e desenvolvimento humano.
Contato: flaviaroldao@gmail.com

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Os sonhos precisam ser atenciosamente cuidados

(imagem 1)


Quem tem amizades que duram anos sabe, construir uma boa relação de amizade leva tempo, é trabalho de paciência e cuidado. Mas quem planta colhe.
Ouvi dizer que amigos nascem feitos, não os fazemos, apenas os reconhecemos. Você tem reconhecido seus amigos quando os encontra?

Hoje indo viajar para visitar uma amiga cuja amizade vem crescendo já há alguns anos, no trajeto fiquei lembrando de outro momento em que fiz o mesmo trajeto para visitar a família. Momentos diferentes em que estavam a vida de todos nós, pois a vida não espera, ela não para.

Entendem alguns psicólogos, que para ser feliz uma pessoa precisa de 3 coisas: amor, trabalho e lazer. Refletindo enquanto viajava cheguei à conclusão que eu, pessoalmente acrescentaria duas outras coisas a estas três: ter amizades e desenvolver bem a sua espiritualidade. Se cuidarmos de estar realizados nestas 5 áreas: no amor, no trabalho, tendo lazer, amigos e uma boa espiritualidade, entendo que ao menos estaremos próximos da felicidade. Mas conseguir sentir-se bem nestas cinco áreas dá um grande trabalho e se alguém pensa que as coisas vão se resolver em cada uma delas sozinhas por si mesmo, então precisa estar preparado para lidar com frustração na certa. Gosto muito do ditado popular que alerta: Quem não planta não colhe! E diria Clarice Lispector: "A vida só é possível reinventada!"

Mas as vezes lidar com frustração e dor é parte do processo de crescimento na vida. como lembrou Rubem Alves: "Ninguém gosta da dor. Contudo, sem a possibilidade de senti-la um corpo se acha em perigo. A dor está a serviço da vida. Ela é um sistema de alarme que informa ao nosso organismo que algo está errado." Por isso a dor não é ruim. Ruim é não tê-la quando tê-la poderia ajudar no aprendizado e crescimento pessoal e familiar.

Alcançar um equilíbrio exato de satisfação pessoal nestas cinco áreas é algo bastante difícil, contudo, ter um foco claro ajuda na caminhada da vida, pois quem não sabe para onde está indo, pode chegar a um lugar que nunca imaginou estar, e na hora de pegar um caminho na viagem, qualquer caminho vai servir. Depois não adianta reclamar na chegada.
Sonhos entretanto precisam ser cuidados com atenção e carinho. Alertou Alves: "É preciso engravidar o presente." Para ele, "devido ao seu projeto criativo, o homem mostra-se capaz de conquistar o sofrimento. (...) As utopias nascem quando a vida descobre que seu corpo está condenado à morte. E porque a vida quer viver, tem de dizer: "não" ao seu próprio corpo. Tem de elaborar um projeto de metamorfose: a lagarta deve se converter numa borboleta. Mas para que isto ocorra a lagarta tem que desaparecer."

Você tem cuidado dos seus sonhos? Quais são os seus sonhos em cada uma destas áreas? Qual destas áreas merece mais da sua atenção e cuidado em 2014?

Vale a pena cuidar dos seus sonhos. Os sonhos precisam ser atenciosamente cuidados. Mas para poder cuidá-los, é preciso antes, saber tê-los. Sabe-los !!!



"...Para o deserto converter-se num jardim não basta arrancar espinhos e cardos: deve-se plantar flores e pomares" escreveu Rubem Alves, e este indicador trazido por ele, precisa ser aplicado tanto no amor, no trabalho, no lazer, nas relações de amizade, e no desenvolvimento da espiritualidade. Nada na vida surge do nada. Tudo é fruto de intencionalidade e atenção aplicada: trabalho, atividade.

"Criar aqui neste momento o lugar agora possível para aquilo por que aspiramos, de maneira que ele possa se realizar depois." (Martin Buber citado por Rubem Alves)




REFERÊNCIAS:
ALVES, Rubem. A gestação do futuro. 2 ed. SP, Campinas: Papirus, 1987.
Imagem 1 disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=rD6akIBTqWU
Vídeo disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=rD6akIBTqWU 


Flávia Diniz Roldão
Psicóloga, Pedagoga e Teóloga. Psicoterapeuta individual, de casais e familias. Trabalha com Arteterapia e desenvolvimento humano.
Contato: flaviaroldao@gmail.com

sábado, 4 de janeiro de 2014

O filme: Álbum de Família


Álbuns são compostos por fotos. Fotos mostram a diversidade, a composição, e registram/guardam/marcam os diferentes momentos (cenas congeladas).

O filme "Álbum de Família", de John Wells, é tenso, denso! Dá a vontade de desistir de assisti-lo em vários momentos. É muita gritaria, muito problema junto... ou melhor, uma coleção de cenas (fotos) de problemas juntos. Arte imitando a vida?

Já alertou a terapeuta familiar Froma Walsh: "Dois MITOS da família 'normal' perpetuam uma visão triste da maioria das famílias. Um é a crença de que as famílias saudáveis são isentas de problemas. (...) Essa crença -[diz Froma, citando outro terapeuta familiar chamado Minuchin] tendeu a patologizar as famílias comuns que procuram enfrentar os estresses e as mudanças desorganizadoras que fazem parte da vida (Minuchin, 1974 apud Froma, 2005). Nenhuma família está isenta de problemas. Coisas desagradáveis do infortúnio atingem a todos, de várias maneiras e em vários momentos da vida. O que distingue as famílias saudáveis não é a ausência de problemas, mas a maneira de enfrenta-los e a competência para resolver um problema. Um segundo mito é a crença de que a 'família tradicional' idealizada é o único modelo possível para uma família saudável. Para a maioria, isso invoca a imagem, da década de 1950, de uma família branca, rica e nuclear conduzida por um provedor/pai e apoiada por uma dona-de-casa/mãe em tempo integral."
São mitos estes, pois, conflitos, problemas, crises, mudanças e estruturas diferentes de famílias são realidades presentes desde sempre. E as famílias mesmo dentro do padrão que se poderia chamar "família tradicional", enfrentam muitos problemas e crises.

O que é uma família?
Um sistema de alta complexidade. Um sistema em constante movimento/mudança. E é justamente a simplificação e estagnação deste sistema, que pode torna´- lo disfuncional. São pessoas diferentes, interligadas e influenciando-se mutuamente de forma recursiva.


É na difícil lida com as diferenças, os segredos, as verdades, os sonhos, as lealdades, as fragilidades e as forças, que a família vai construindo a sua história. A história da família. São nos momentos de maior fragilidade, que os pontos não trabalhados na família emergem, suscitando a necessidade de enfrentamento de questões delicadas que foram sendo deixadas de lado, ou "jogadas para debaixo do tapete", mas que urgem então com força total e suscitam serem lidadas.

A união ou desunião nestes momentos faz diferença! Alertou Froma: "Quando os membros da família se unem para enfrentar o desafio, seus vínculos são fortalecidos e os indivíduos podem desenvolver novas áreas de competência." (p.19). Mas esta não é a realidade encenada neste filme. Por isso mesmo tão tenso. Por outro lado, ele ilustra bem o que escreveram Hadley et. al: "Um evento fundamental ou transição perturbadora pode catalisar mudança significativa em um sistema de crença familiar, com reverberações para a reorganização imediata e para a adaptação a longo prazo."(Hadley et al apud Froma, 2005, p. 21). E talvez poucos eventos familiares sejam tão significativos e mobilizadores a uma mudança quanto as perdas, e especialmente a morte.
Lembra-nos Figley que "eventos catastróficos que ocorrem de repente e sem aviso podem ser especialmente traumáticos" (apud Froma, ibidem). E destaca Froma que, "as reverberações, como uma onda de choque, podem se estender por todas as redes familiares(...) em consequência, algumas famílias são devastadas ao passo que outras conseguem se reunir, reerguer e ir em frente." (ibidem). Essa onda de reverberações fica muito bem ilustrada no filme. Após esta morte e o processo posterior vivido pela família, seus membros jamais serão os mesmos, a vida de cada um deles sofrerá mudanças profundas. Para seguir em frente, cada personagem do filme necessitaria criar competência nova e renovada.


Abordando o tema da resiliência familiar, ou seja, dos "processos de preparação da família como uma unidade funcional para o enfrentamento e adaptação às crises e problemas", Froma Walsh destaca que, essa abordagem da família visa "identificar e fortalecer processos interacionais fundamentais que permitem às famílias resistir aos desafios desorganizadores da vida e renascer a partir deles. (...) Muda a perspectiva de se encarar as famílias em situações de angústia como defeituosas, para encará-las como DESAFIADAS, ratificando o seu potencial para o reparo e o crescimento." (p.3).

O evento da morte pode ameaçar a funcionalidade familiar. Mas a morte é parte da vida, uma certeza a ser vivida e enfrentada pelas famílias, de sorte que o trabalho profilático e preventivo pode ser estratégia fundamental no trabalho de saúde mental com famílias. Uma coisa é certa, como bem destacou Froma, a morte exige adaptações, ela deixa buracos e exige reorganizações.





REFERÊNCIAS:
WALSH, Froma. Fortalecendo a Resiliência Familiar. SP: Roca, 2005.
Imagens disponíveis em: http://veja.abril.com.br/noticia/celebridades/em-album-de-familia-as-relacoes-familiares-levadas-ao-extremo
Vídeo: disponível em http://www.youtube.com/watch?v=NME3l2MvpnM 
                             http://www.youtube.com/watch?v=-IRFxJI0Rm8

Flávia Diniz Roldão é psicóloga, psicoterapeuta familiar e de casais, professora universitária. Contato: flaviaroldao@gmail.com