sexta-feira, 29 de março de 2013

O MENINO DE PIJAMA LISTRADO e A BUSCA



A inocência infantil é uma dádiva, mas também pode colocar a própria VIDA em risco .

Há filmes que merecem ser assistidos sobretudo pela sua cena final. É o caso deste filme, e também de outro mais recente em cartaz: “A BUSCA”.



São filmes que abordam o tema da FAMÍLIA.

Claro... como toda obra artística bem construída, caso de ambas as películas, podemos destacar diversos temas, pois elas podem ser apreciadas e consideradas a partir de vários e diferentes ângulos.



O filme “O MENINO DE PIJAMA LISTRADO” chamou minha atenção por retratar com primazia a forma absurdamente diferente como duas crianças com a mesma idade – 8 anos – vivem a infância. Me fez novamente refletir que não é possível falarmos em “A" infância mas em “infâncias”. Essa etapa da vida é vivida de modo bem peculiar por cada infante, dependendo sempre das condições de seu contexto cultural e do momento histórico no qual a criança está inserida.



Toda pessoa é o um ser sócio-histórica e culturalmente determinado. Há ainda a parte que cabe à singularidade de cada um. Como cada pessoa se posiciona diante da vida, dos desafios e as possibilidades que lhe são apresentadas – uma parte que envolve determinações genéticas, legados familiares, escolhas pessoais – processo altamente complexo , multideterminado e sistêmico. Será que há nesta vida algo de maior complexidade do que a configuração de cada personalidade humana?



Mas este é um filme que trata sobre como diferentes pessoas, em diferentes faixas etárias e papéis sociais vivem, convivem, vêem a vida e se colocam nela. Como vivem e como morrem. Como “fazem escolhas” e como vivem sem escolhas. Aborda ainda o tema de como casais nem sempre concordam sobre coisas essenciais para o convívio em paz debaixo de um mesmo teto, e para criarem seus filhos, bem como, destaca que o que as mulheres sentem nem sempre é levado em conta, da mesma forma, de como aquilo que as crianças sentem também não são. Mas crianças e mulheres são pessoas em posição diferente na vida? Ou não? Ou não foram? Ou não são assim consideradas ainda hoje? Adultos e infantes são diferentes? Devem ser tratados diferentemente? Têm diferentes responsabilidades diante da vida – independente de seu gênero?


Aríés (1978) ajuda a lembrar que a noção de infância não existiu sempre, é uma construção mais recente. E o direito às mulheres de serem escutadas, respeitadas e preservada a sua dignidade de posicionar-se no mundo enquanto um ser adulto e com direito a escolhas e participação em decisões – seja na vida ou seja no contexto da morte - como o filme bem ilustra. É isso uma construção vigente atualmente em todas as sociedades neste mundo? Em todas famílias na sociedade brasileira? Acho que apenas estas duas questões, para quem assistiu o filme bastam, para respondermos que também ao se abordar o tema acerca do “ser mulher”, teremos que falar em diferentes formas de ser mulher, nas sociedades e nas famílias hoje. Uma forma idealizada de infância e sobre ser mulher não ajuda. É preciso ter os pés bem calcados na realidade ao olhá-la.



E por falar em família, a transmissão de padrões geracionais é outro tema muito brevemente delineado no filme; porém não de menor importância, a ponto de não merecer destaque. Isso pode ser percebido na forma do avô tratar a avó, e do pai tratar a mãe, bem como, no comportamento da filha. Aliás, com o final do filme não houve possibilidades de observar as mudanças que possivelmente ocorreriam nos padrões familiares, nos valores e nas crenças, a partir do evento trágico ocorrido. Mas há cenas que ilustraram bem o sofrimento de ambas as esposas- a do pai e a do filho, a partir da imposição unidirecional e exclusiva de valores e ideias deles sobrepondo-se as delas, na vida e na morte, não abrindo muitas possibilidades para escolhas.


Uma busca que diferente do filme A BUSCA, termina com um fim trágico. Eu fiquei me perguntando ao final, qual seria a continuidade do filme, se ele assim tivesse uma. Me perguntei se uma criança precisou morrer para que a vós da mãe, e da avó, se fizessem escutar.



Mas isso já são elucubrações de uma espectadora que vivenciou a experiência estética e interagiu com a obra. Indico ambos os filmes. Eles abrem portas para várias reflexões. E o filme “A busca” pode ser que ainda esteja em cartaz em alguns cinemas.

REFERÊNCIAS:

ARIÈS, P. História social da infância e da família. Tradução: D. Flaksman. Rio de Janeiro: LCT, 1978

IMAGENS  disponíveis em :
Flávia Diniz Roldão
Psicóloga, Pedagoga e Teóloga.
Psicoterapeuta individual, de casais e familias.

Trabalha com Arteterapia e desenvolvimento humano.
Contato: flaviaroldao@gmail.com


sábado, 23 de março de 2013

ANDREA BOCELLI - AMOR EM PORTO FINO


Fui assistir à reapresentação do show de Bocelli “Amor em Porto Fino” na tela do cinema. Sem palavras ! Adoravelmente belíssimo !!!



Ao estilo Bocelli, a iluminação do show já é um show à parte. Como de costume o show começa ao cair da tarde e a luz natural vai dando lugar aos poucos à escuridão da noite, e à iluminação noturna. Faz lembrar o próprio ciclo da vida.

E a propósito do ciclo de vida, fiquei “ME” pensando... um amor que valha a pena hoje, nesta etapa da vida, é um amor impregnado de romantismo, cuidado e atenção. As pessoas vão ficando mais seletivas à medida em que o tempo passa. O ditado “antes só do que mal acompanhada” passa a ser lema na vida. É muito triste ver casais de meia idade ou idosos se suportando.
 
 

O tema do show é a paixão – tão bem cantada no espetáculo! Mas como bem colocou o cantor na entrevista ao início do película, paixão tem muitos sentidos, por isso é preciso definir em que sentido se usa esta palavra. Penso isso também sobre o amor, aliás, amor pra mim, é mais importante que a paixão. Gosto de relações duradouras.

Me pensando percebi, que generosidade, educação, atenção e cuidado passaram a ser virtudes muito mais valorizadas num par amoroso à medida que a maturidade foi chegando, e fui aprendendo a fazer escolhas mais pertinentes, e a assumir para mim mesma, quais coisas são fundamentais e quais aquelas das quais é possível abrir mão se necessário for para levar um relacionamento à diante. Atenção, paciência, romantismo, bom gosto e requinte cultural, são fundamentais, valores inegociáveis nesta etapa da vida !

Mas ao pensar em etapas da vida, lembro-me do desenvolvimento humano. Os anos passam para todos, mas o desenvolvimento nem sempre chega no mesmo rítmo que a idade. Há adultos cuja face marca a passagem do tempo nos víncos das rugas, mas cujo desenvolvimento afetivo-emocional não acompanhou a passagem do tempo. Alguns adultos e idosos, no âmbito afetivo, emocional e psíquico não passam de adolescentes. Nosso corpo, alma e espírito não se desenvolvem sempre no mesmo rítmo, e por vezes uma destas dimensões pode estar bastante subdesenvolvida, enquanto outra está mais desenvolvida. Isso lembra também o próprio processo de envelhecimento humano, onde órgãos diferentes envelhecem em rítmos diferentes, coração, cérebro, e a própria pele, envelhecem de forma diferente numa mesma pessoa. Esse dado se manifesta de modo absolutamente complexo no vínculo entre um par amoroso, aproximando ou afastando os dois "adultos" que se relacionam.

O cenário do show é também outro show. Especialmente o colorido que soma-se à iluminação já anteriormente destacada. A escolha das músicas é de um bom gosto impecável, e a entrevista com Bocelli acompanhado da família dá um toque artístico unido ao familiar, todo especial ao início da película. É ainda importante destacar o belo dueto que a esposa faz com ele na interpretação de uma música romântica que fora antigamente cantada por Piaff, momento bastante especial do show.
 



Há certos produtos culturais cuja grandeza é muito maior e vai além do que se pode colocar em palavras, escapando a qualquer possível comentário. É preciso apreciar por si mesmo, realizando a própria experiência estética e tirando as próprias conclusões.

Por hoje, fico no êxtase da beleza vista e ouvida neste espetáculo.


Referências dos vídeos:
https://www.youtube.com/watch?v=ADsl5yakB7s
https://www.youtube.com/watch?v=9tVKEx0ZvqY
https://www.youtube.com/watch?v=-8t4Xkf_1KE


Flávia Diniz Roldão
Psicóloga, Pedagoga e Teóloga.
Psicoterapeuta individual, de casais e familias.

Trabalha com Arteterapia e desenvolvimento humano.
Contato: flaviaroldao@gmail.com

sábado, 9 de março de 2013

QUANDO O MEDO ENCOLHE AS PESSOAS



 
Tempos atrás comprei uma boneca bem interessante. Ela vem com as pernas encolhidas presas entre os braços. Os braços formam um nó que segura e paralisa as pernas. Comprei também uma lata de lixo um pouco maior do que ela, e criei uma história, onde essa boneca passa a morar nesta lata de lixo devido a baixa autoestima.

Me peguei pensando que esta mesma boneca utilizada na clínica e em palestras, para trabalhar o tema da baixa autoestima com mulheres, quando sozinha e sem a lata de lixo que a acompanha, pode ser também utilizada como uma metáfora para trabalhar acerca do que o medo as vezes faz com as pessoas: paralisa-as.
 
 
 
 
O sentimento de medo causa no organismo uma reação que prepara para a luta ou fuga. Mas enquanto preparação, não é a ação. É um sentimento paralisador, imobilizador. Num primeiro momento, ele não é nem negativo, nem positivo. Tudo depende de quanto tempo ele dura, a serviço de que ele veio, e como a pessoa lida com ele. Pode ser positivo, quando funciona como alerta para que a pessoa fique atenta a algo perigoso que pode vir a lhe ocorrer se ela continuar adiante. Nesse caso, fazendo uma comparação metafórica com o sinal de trânsito, o medo é como um sinal amarelo, que convida à atenção.
O medo que uma criança tem de colocar a mão no fogo ou o dedo na tomada, pode ser extremamente positivo e protetor. Ou ainda o medo e a atenção consequente de um estado de alerta, que surge quando uma pessoa pensa em realizar algo que envolve certo risco. Nestes casos o medo é algo altamente benéfico.
 
 
O medo passa a ser negativo em pelo menos duas outras situações. Quando a pessoa convive com ele por um longo período de tempo, e quando ele é “ilusório” e “desnecessário”.
No primeiro caso ele é ruim, pois, a reação de medo desencadeia stress no organismo. O stress envolve um longo processo de alterações bioquímicas que impacta o organismo e visa prepará-lo para uma ação de luta ou fuga. O stress “é uma reação psicofisiológica muito complexa que tem a sua gênese na necessidade do organismo fazer face a algo que ameace sua homeostase interna.” (LIPP). Segundo Marilda Lipp, o stress é um processo, e não uma reação única.


Diante do evento estressor, que mobiliza o organismo através de mudanças bioquímicas para o enfrentamento da situação e preservação da vida, se a situação se resolve, e no tema aqui abordado, o medo por exemplo, é superado, o organismo volta à seu equilíbrio natural, ou homeostase. Mas se a situação persiste, instala-se então um processo no qual, o organismo que estava numa primeira fase de stress, a fase de alerta, “que contribui para maior produtividade no ser humano” (LIPP) e que nesta fase podemos considerar um stress bom, segue adentrando a outras fases de mobilização de mais energias na tentativa de resistir ao elemento estressor - o medo. O stress segue então para etapas mais avançadas do processo nas quais as defesas do organismo começam a ceder e ele já não dá mais conta de resistir e recobrar a homeostase. O organismo vai sofrendo desgaste generalizado com consequências diversas como por exemplo, impacto na imunidade e a manifestação de doenças diversas de cunho físico e mental. Segundo Lipp, pode ocorrer a morte como resultado final à tentativas prolongadas de resposta do organismo a um stress que perdura por longo período.
 

A pessoa sob stress sente o impacto deste processo em várias facetas da sua vida: no trabalho, na família e demais relações afetivas e sociais. Conforme Lipp, “No âmbito psicológico e emocional do ser humano, o stress excessivo produz cansaço mental, dificuldade de concentração, perda de memória imediata, apatia e indiferença emocional. A produtividade sofre quedas e a criatividade fica prejudicada. Autodúvidas começam a surgir em virtude da percepção do desempenho insatisfatório. Crises de ansiedade e humor depressivo se seguem. A libido fica reduzida e os problemas de ordem física se fazem presentes. Nestas condições a qualidade de vida sofre um dano bastante pronunciado e frequentemente os pacientes, nesta situação, relatam 'vontade de fugir de tudo'. ” (LIPP)


Mas o medo não é negativo apenas quando ele é vivenciado de modo demorado. Ele é negativo também quando decorre desnecessariamente na vida, quando é ilusório. Há situações nas quais o medo é provocado por uma distorção da percepção. Nestes casos ele não seria necessário, mas acontece muitas vezes pela supervalorização de algo, ou pela pressuposição de algo que realmente não existe, mas passou a existir pela percepção distorcida das coisas, das pessoas ou das relações. Passou a existir na mente da pessoa. Passou a afetar suas emoções, suas ações e sua vida.
 
 

Uma das formas possíveis desse afetamento é a paralisação na vida ou até mesmo, em alguns casos, da própria vida. É nestes casos que digo que o medo encolhe. Metaforicamente falando, ele pode encolher a expressão de pensamentos, a manifestação de afetividade, o progresso na carreira profissional, a construção de novos projetos de vida, a realização de sonhos. Nestes casos, o medo muitas vezes vem acompanhado de preocupação. Uma ocupação e sofrimento antecipados decorrentes de sentimentos e pensamentos de que algo ruim ou catastrófico pode vir a acontecer. O problema é que, a vida da pessoa, sua qualidade de vida, e muitas vezes suas relações são afetadas por essa pre-ocupação, que as vezes, também não seriam necessárias, como por exemplo nos casos de percepção distorcida da realidade.

A boneca encolhida que comprei, faz-me lembrar que a pessoa encolhida fica muito menor do que o seu tamanho real. A pessoa encolhida fica menor do que realmente é, e assim é que se coloca na vida. O medo encolhe. Por isso para seguir a diante é necessário buscar superá-lo para poder desencolher-se e seguir em frente na vida.
 
 
 
Enfrentar os seus medos e aprender a lidar com eles, nem sempre é fácil. É preciso coragem. Mas de fato, viver e não apenas sobreviver enquanto se está vivo, exige ousadia, e o enfrentamento do medo, muitas vezes nos mostra, que aquele sofrimento por ele causado era desnecessário, possibilitando uma renovação da pessoa ao superar aquilo que lhe paralisava, bem como melhores relacionamentos e uma melhor qualidade de vida.
 
 
 

 
Flávia Diniz Roldão
Psicóloga, Pedagoga e Teóloga.
Psicoterapeuta individual, de casais e familias.

Trabalha com Arteterapia e desenvolvimento humano.
Contato: flaviaroldao@gmail.com
 
 
REFERÊNCIAS:
LIPP, M. E. N. Mecanismos neuropsicofisiológicos do stress. In: LIPP, M. E. N. Mecanismos neuropsicofisiológicos do stress: teoria e aplicações clínicas. São paulo: Casa do Psicólogo, 2003.
 
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