quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Vou sorver a vida até a ultima gota


"Vou sorver a vida até a ultima gota" - afirma  Douglas, um homem abandonado pela esposa, em discurso, no delicioso filme "O Exótico Hotel Marigold 2".

Lembra-me um trecho do poema de Lya Luft: "Bem que eu queria dormir, mas isso que não esqueço, me chama a noite inteira..."

Você tem algo como um - "...isso que não esqueço..." - e que lhe chama a noite inteira?

Estes são os nossos verdadeiros "motores" de vida. Isso que não esquecemos e que nos impulsiona a "sorver a vida até a última gota". 

O filme é sobre a VIDA! Sobre ESCOLHAS  e GENEROSIDADES, RELACIONAMENTOS.

Evelyn, uma idosa absolutamente ativa, e em total apropriação da VIDA, indaga algo que bem poderia ser uma indagação de todos nós:
"-Quantas vidas novas podemos ter?"
E responde para si mesma:
"Quantas quisermos! Enquanto der!"
Ela brinda a vida... vivendo!

No livro "O desenvolvimento adulto de C. G. Jung", Staude faz a seguinte citação:
"O mundo todo é um palco,
E todos os homens e mulheres, simples atores,
Que nele entram, e dele saem.
E cada homem, por sua vez, representa muitos papéis,
E seus atos correspondem a sete idades. Primeiro a criança,
Choramingando e vomitando nos braços da babá.
Depois o lamentoso estudante, com sua mochila
E seu brilhante rosto matinal arrastando-se como uma lesma
Para a escola, a contragosto. E depois o amante,
Suspirando como uma fornalha, com uma balada chorosa
Feita para os olhos de sua amante. Depois um soldado,
Cheio de estranhos juramentos e com barba de leopardo,
Ciumento na honra, rápido e vivo na luta
Buscando a falsa reputação
Mesmo na boca do canhão. E depois o juiz,
Com o estômago bem forrado com capão
Com olhos severos e barba bem cortada
Cheio de provérbios sábios e de exemplos modernos;
E assim ele representa o seu papel. A sexta idade muda de roupa,
Muda para pobres pantalonas descarnadas,
Com óculos no nariz e bolsa de lado;
Sua ceroula juvenil bem guardada, um mundo demasiadamente grande
Para a sua minguada parte traseira, e a sua grande voz varonil.
Voltando-se de novo ao som agudo da infância,
Chia e assobia ao falar. A última cena,
Que conclui essa estranha história aventurosa,
É uma segunda infância e um mero esquecimento,
Sem dentes, sem olhos, sem gosto, sem nada."

E Lya Luft em poema pergunta:
"-Devo largar minhas perdas que ficaram na soleira entre o passado e o recomeço?"

Afinal, refletimos nós: "De que é feita a vida, senão de perdas e ganhos? Momentos. Escolhas. (E consequencias!).

Diferente da reflexão citada por Staude em seu livro, atualmente a última fase da vida para muitos que têm a graça de chegarem a ela com saúde suficiente para continuar vivendo e não apenas sobrevivendo, desfrutam estes de uma prolongada vida ativa, longe de ser parecida com uma segunda infância.... sem dentes. Porém muito provavelmente, não sem desafios, os desafios próprios da experiência de viver.

No ciclo da vida, não apenas na velhice, nós humanos vamos nos indagar sobre a nossa vida e os papéis que nela desempenhamos, tal como os personagens idosos do filme, e como Luft em seu livro "Para não dizer Adeus". Dentre outros possíveis momentos reflexivos, a meia idade é semelhantemente um tempo de reflexões... vida... apropriações, desapropriações e... recomeços. Desafios! Escolhas (e consequencias!). 
Ninguém quer errar consigo mesmo... sempre buscamos acertar. Mas nem sempre... acertamos nas escolhas realizadas na caminhada.

A meia idade é um tempo desafia-dor, 
Quem sabe seja para alguns, um tempo para "viver a vida não vivida" como propõem os autores Johnson e Ruhl. Um tempo para "reconhecer nosso talento e nosso potencial em sua totalidade" (idem).
Afinal, para tudo o que escolhemos viver até essa etapa da vida, outro tanto ficou "não vivido". Toda escolha demanda uma perda. E disso é feita a VIDA de cada um de nós, de ganhos e perdas, possibilidades perdidas e escolhas .
E segundo Johnson e Ruh, "A vida não vivida 'não desaparece' apenas por falta de uso, ou ao ser deixada de lado ...ao contrário... vai para o subterrâneo e se torna problemática, sendo algumas vezes muito perturbadora - conforme vamos envelhecendo."
Essa é a aventura do viver! Uma aventura que as vezes pede "re-visão".

Porém... fica a questão: "Você está disposto(a) a sorver a vida até a última gota?" Rever a vida tantas quantas vezes for preciso? Recriar, reconstruir, integrar partes de si que ficaram perdidas na caminhada da vida? Apropriar-se da autoria de sua história com todas as perdas e ganhos nela implicadas?

Ainda com Lya Luft, podemos colocar palavras que ilustram as vivencias de muitas pessoas que estão nesta etapa da vida:

"Quando pensei que estava tudo cumprido,
havia outra surpresa: mais uma curva
do rio, mais riso e mais pranto.

Quando calculei que tudo estava pago,
anunciaram-se novas dívidas e juros,
o amor e o desafio.

Quando achei que estava serena,
os caminhos se espalmaram 
como dedos de espanto

em cortinas aflitas. E eu espio,
ainda que o olhar seja grande
e a fresta pequena." 


REFERÊNCIAS:
JOHNSON, R. A. e RUHL, J M. Viver a vida não vivida. Petrópolis: Vozes, 2010.
LUFT, L;. ÕNUS. In:. LUFT, L, Para não dizer Adeus. 3 ed. RJ: Record, 2005.
_____.Todas as águas. In:LUFT, L, Para não dizer Adeus. 3 ed. RJ: Record, 2005.
SHARP, D. Ensaios de sobrevivência: anatomia de uma crise de meia idade. SP: Cultrix, 1995.
STAUDE, J. O desenvolvimento adulto de Jung. SP: Cultrix, 1995.


Flávia Diniz Roldão
psicóloga
CRP 08/15268


sexta-feira, 16 de outubro de 2015

É preciso construir a sua própria experiência de envelhecimento



"Quem quer mudar o mundo precisa primeiro mudar a si mesmo." (Sócrates)


Todos estamos envelhecendo. Como seres humanos, somos seres de escolhas e intervimos em nosso futuro. É preciso/possível (dentro de certos limites e naquela parte da vida sobre a qual temos influência) escolher como queremos envelhecer.

Queremos envelhecer-SENDO?


O filme "Um senhor estagiário", aborda brilhantemente as diferenças intergeracionais e a ação intensional humana sobre o seu próprio processo de vida na terceira idade.
Mostra que não é preciso aceitar passivamente o movimento da vida, que por vezes nos empurra à margem dela. Seres humanos são seres de ação intensional e reflexão, seres de escolhas, possíveis de intervir sobre o seu próprio curso de vida.
Claro que... pra isso é preciso ter energia canalizada e vontade. Desejo. Mas "o desejo tem idade?" 



Somos seres de necessidades. E em busca da satisfação destas, temos a possibilidade de agir sobre o mundo... e sobre nós mesmos. Aliás, as vezes o agirmos sobre nós mesmos é um desafio maior do que o agir sobre o mundo, pois afinal, tudo começa com o desejo e a necessidade. Quem toma consciência dos seus desejos e suas necessidades, terá maiores probabilidades de agir sobre eles com criatividade, imaginação, e o uso de instrumentos físicos e psíquicos no processo de construção da sua realidade. Seres humanos são seres dinâmicos, seres em movimento e mudança. Enquanto há VIDA, é preciso FAZER A GESTÃO dela.



O filme destaca que a experiência dos idosos pode ser sabia e dinamicamente bem aproveitada. Trata do sensível tema da APOSENTADORIA, ou quem sabe melhor dizendo... da DES-APOSENTADORIA intencional. Expõe brilhantemente a inteligência das trocas intergeracionais na construção da vida humana. Vida que não pode cessar enquanto há respiração para não MORRER EM VIDA.


Cada dia é um dia NOVO, quando as pessoas estão abertas, atentas e ativas no processo de construção contínua da sua história de vida. Vida mediada pelas condições sócio-históricas que precisam ser enfrentadas no embate concreto do cotiano. Porém, as relações que estabelecemos com os outros, com os fatos e com a cultura na qual estamos inseridos, é sempre uma possibilidade aberta para a realização de novos movimentos de vida.
O filme lembrou-me uma história real, a da psiquiatra Nise da Silveira, que conforme relato, volta a trabalhar após aposentada no Museu Imagens do Inconsciente, que ela própria ajudou a criar por ocasião de seu trabalho regular.


Seres humanos são seres intencionais. Capazes de fazerem as coisas acontecerem. Capazes de agirem sobre sua realidade transformando-a, e transformando a si.


Somos seres de relação. Influenciamo-nos uns aos outros mutuamente neste processo. Deixamos marcas na vida - nas nossas e nas dos outros com os quais convivemos.



Criamos história. A nossa, e ajudamos a criar outras histórias, participando das histórias dos outros.
Não podemos nos EXIMIR DA TAREFA DE VIVER. Só podemos escolher COMO vamos viver a nossa vida (e lidar com as limitações impostas).


William Ury, co-fundador da Harvard Negotiation Project, especialista em negociação, dá uma dica sobre como negociar consigo mesmo. Destaca que a auto-observação é a base para o domínio de si mesmo. E pergunta: "Quantos ouvem regularmente a si mesmos com empatia e compreensão - com a mesma solidadriedade de um amigo de confiança?" Já cantava Roberto Carlos: "É preciso saber viver!"
Retoma Ury:"Três iniciativas podem ser úteis: primeiro, procure se distanciar de si mesmo e se ver a partir 'do camarote'. Segundo, ouça com empatia seus sentimentos mais recônditos, mais íntimos, para intrerpretar o que eles realmente lhe dizem. Terceiro, MERGULHE ainda mais no SEU INTERIOR e DESCUBRA quais suas NECESSIDADES MAIS FUNDAMENTAIS."

Concordo com Ury que afirma ser preciso "obter sucesso na disputa mais importante de todas - o jogo da vida."


Finalizo o diálogo estabelecido comigo mesma ao término deste filme, lembrando um poema de Lya Luft:


PERDER E GANHAR
(Lya Luft)

Com as perdas, só há um jeito:
perde-las
Com os ganhos,
o proveito  é saborear cada um
como uma fruta da estação.

A vida, como um pensamento,
corre à frente dos relógios.
O ritmo das águas indica o roteiro 
e me oferece um papel:
ABRIR O CORAÇÃO COMO UMA VELA
ao vento, ou pagar sempre a conta
já VENCIDA.

REFERÊNCIAS:
BRUNS, M.A.T.O desejo tem idade? In: _____. e DEL-MASSO, M.C.S. Envelhecimento Humano: diferentes perspectivas. Campinas, SP: Alínea, 2007.
LUFT, L. Para não dizer adeus. 3 ed. RJ:Record, 2005.
URY, W. Como chegar ao sim com você mesmo: o primeiro passo em qualquer negociação, conflito ou conversa difícil. SP: Sextante, 2015.
Filme: Um senhor estagiário.
Imagens coletadas na internet.

Flávia Diniz Roldão
CRP 08/15268
Psicóloga 
Atendimento individual, de Casais e Famílias.
flaviaroldao@gmail.com 

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

IDOSOS: Ser ou não ser - eis "a" questão!




Idoso: "ser ou não ser , - eis a questão"! (William Shakespeare)


Conforme a ideia de alguns intelectuais, tal qual Paulo Freire, as pessoas não são, elas estão! Pois a vida é dinâmica e muda (e as vezes bem depressa!). Como escreveu Mario Quintana, no poema "O Tempo", quando se vê... a vida já passou...




A vida é como uma peça de teatro que não permite ensaios - destacou Charles Chaplin.

Somos mutantes. Somos o que fizemos, e principalmente, "estamos sendo" o que fazemos da nossa vida a cada momento.

Se tratamos alguém com violência, estamos nos tornando uma pessoa violenta, se mentimos a alguém estamos nos fazendo mentirosos, mas, se ao contrário tratamos o outro com gentileza, honestidade, atenção e cuidado, nos tornamos concretamente na prática, uma pessoa gentil, honesta, atenciosa e cuidadosa.

 Estas ações vão fazendo de nós quem vamos sendo, quem vamos nos tornando a cada dia concretamente.Na vida as coisas podem mudar sempre, e a qualquer momento!  E assim, vamos construindo nossa história de vida, num livro, que jamais uma página virada se repete absolutamente igual à outra (ou que se repete! - embora não absolutamente igual - por pura teimosia de nossa não atenção e cuidado com a nossa própria história de vida).

Ser ou não ser? - Eis a questão que não pode ser negligenciada especialmente na última etapa da vida - quando pela própria lógica do envelhecimento, não nos resta "todo" tempo.

Mas o tempo que resta pode ser vivido com qualidade. Somos (em parte) arquitetos do nosso tempo, da nossa história... de VIDA. Para isso, é preciso ter para consigo mesmo uma atitude atenciosa. É preciso fazer revisões na vida quando necessário. Abrir mão de coisas, ir atrás de outras coisas novas e diferentes. Ser proativo.

A vida só termina quando damos o último suspiro. Mas é preciso atenção... pois alguns "vivem sem viver", vivem como se estivessem mortos, vivem sem qualidade de vida,verdadeiros "mortos vivos". Isso é possível? Claro, não apenas possível, mas, é uma experiência de vida que não é tão incomum. E vale ainda lembrar os "suicídios silenciosos" que ocorrem através do comportamento autodestrutivo de algumas pessoas no dia a dia.

A vida passa ligeiro...
"Ser ou não ser? - Eis a questão de reflexão fundamental para as pessoas a partir da meia idade, e especialmente, para os idosos. 

O que você está fazendo da sua vida?

Você tem se tornado a pessoa que gostaria de ser nesta vida?

Você aprecia a pessoa que estás sendo?

Quais tarefas ainda desejas completar nesta "passageira" vida?





Fonte das imagens: 
http://www.imagem.eti.br/clipart/amor_6.html 


Flávia Diniz Roldão
(Psicóloga. Atua na psicologia clinica com idosos e famílias. Trabalha com a disciplina "Psicologia da Terceira Idade". É professora colaboradora em programas de Educação Permanente de Idosos no formato Faculdade Aberta da Terceira Idade.)
contato: flaviaroldao@gmail.com 

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

GENER(A)TIVIDADE



Da fecunda interconecção
Dos "supostos" diferentes
Nasce a conexão criativa

(Se fará mutamente recursiva?)

Re-combinação de dados
Anteriormente jamais imaginados
Mas nem por isso inexistentes
Possibilidades latentes

Conexão generativa
De surpreendentes
Novos modos de existir

Superação dos padrões de linearidade
Autotranscendência evolutiva do sistema
Em novas conexões complexas
Antes inexploradas
Por fixação de fronteiras rígidas

A nova permeabilidade
Nascida do afofar a vida
Acolhendo a flexibilidade
Recém exercício de amplitude

Capturou 
E construiu
Novas possibilidades

A existência se expandiu
Expressando renov-ação
Mais uma vez
Se afirmou a VIDA!



Flávia Diniz Roldão
Psicóloga, Pedagoga e Teóloga
flaviaroldao@gmail.com 

sábado, 30 de agosto de 2014

Nem sempre vai ser assim



Hoje foi um dia de trabalho intenso. Depois do trabalho, o merecido descanso. Um passeio pela livraria, e agora o momento da escrita. Escrever também me descansa. Escrever me deixa mais leve,. Porque as vezes as palavras que estão dentro de mim são como um filho que pede para ser parido.

Aprendi muito com alunos e pessoas participantes de uma roda de conversa em uma supervisão de estágios em Psicologia Comunitária hoje, e escrevo este texto como um 'aprendizado" que deixo aos meus filhos.
O aluno que dirigiu a roda narrou a seguinte história, que lhe foi contada anos atrás por um amigo:

"Em uma propriedade rural, uma família muito bem sucedida em suas plantações e comercializações, foi de repente surpreendida por um furacão que passou e devastou a plantação sobre a qual eles se implicaram dias, desde a escolha das sementes, e depois o plantio, e na qual  se detiveram gastando um bom tempo cuidando.

Empobrecidos, o pai diante do filho olha para ele e diz:"Meu filho, nem sempre vai ser assim! Sigamos..."

Tudo passou e quando veio o tempo certo, novamente eles começaram todo o trabalho de escolha das sementes, o preparo da terra, a semeadura e todo o cuidado da plantação.

Desta vez tudo ajudou, e eles tiveram uma enorme fartura na colheita.

Pai e filho estavam juntos conversando novamente, e celebrando aquela grande benção. O pai olha para o filho profundamente e lhe diz: "Meu filho, preciso lhe dizer uma coisa, é importante que você aprenda e saiba: - Nem sempre vai ser assim!"

Uma mulher já idosa, certa vez se expressou: "-Minha mãe sempre dizia: minha filha, todo mal tem um início, e também tem um fim".

Dá esperança lembrar destas duas histórias.
Faz refletir que na vida há coisas sobre as quais não temos controle, e nos afetam, há outras porém, sobre as quais temos algum controle e podemos/precisamos agir.



É bom saber, que histórias são palavras (metáforas) que podem iluminar a forma de viver.

Certa vez eu comentava com uma pessoa: "Quando a vida não nos dá o privilégio de trazermos de berço os recursos que necessitamos para construir a vida que queremos, é preciso empenhar-mo-nos em consegui-los ou construí-los. Quando não obtemos na infância os recursos necessários que precisamos para realizarmos com alguma lucidez as escolhas necessárias de serem feitas durante a vida para que alcancemos minimamente uma vida que valha a pena ser vivida, é preciso correr atrás deles, afinal, como dizia Freire citado por Guzzo (2005), "há uma vocação ontológica para o Homem, enquanto sujeito que opera e transforma o mundo".

E o primeiro mundo sobre o qual cada pessoa pode começar a operar para transformar, é o seu próprio.

Nós mesmos, somos um dos instrumentos disponíveis para a transformação que desejamos no nosso mundo.

Escreveu Eliane Brum: "Nossa vida é a nossa primeira ficção". Eu diria: nossa vida é a nossa primeira Obra CONCRETA.



"Nem sempre vai ser assim."
Mas ninguém sabe, como o futuro será.
O que é certo, é que como disse alguém um dia: "todo mal tem um início, e também tem um fim".
Mas se o que é mal passa. O que é bom também. Ninguém consegue prender o tempo. O que ficam são as memórias. E como disse Brum (2014) referindo-se às sua: "Esta é minha memória. Dela eu sou aquela que nasce, mas também sou a parteira."
Não somos fantoches ou múmias atadas. Somos seres humanos dotados de capacidade (ao menos algumas) de ação e intervenção sobre a vida, a nossa e as dos outros, desde as memórias que construímos, alimentamos e como as narramos, até as ações que fazemos ou deixamos de realizar.
Simone de Beauvoir foi citada por Frain (2013): "O mundo real é uma verdadeira bagunça. É minha vida, e a vivi como quis vivê-la..."

O tempo passa... não pede licença... mas cada pessoa pode escolher (ao menos em certa medida), como vai diante da vida se posicionar.



O futuro, está ligado ao presente 
de muitas e diferentes formas.
"Nem sempre vai ser assim!"




REFERÊNCIAS:
BRUM, Eliane. Meus desacontecimentos. SP: Leya, 2014.
GUZZO, Raquel S. L. Escola amordaçada: compromisso do psicólogo com este contexto. In: MARTINEZ, A.M. Psicologia Escolar e Compromisso Social: novos discursos, novas práticas. Campinas, SP: Alínea, 2005.

Imagens coletadas na internet, disponíveis em:
http://questaodecoaching.com.br/tag/mudanca/
http://www.ideiademarketing.com.br/2012/11/01/medo-das-mudancas-os-desafios-do-endomarketing/
http://mdemulher.abril.com.br/casa/reportagem/reforma-construcao/saiba-como-fazer-mudanca-transtorno-613377.shtml
http://despertandodeuses.blogspot.com.br/2012/09/como-remover-o-medo-da-mudanca-pessoal.html


Flávia Diniz Roldão
Psicóloga
flaviaroldao@gmail.com 

sexta-feira, 13 de junho de 2014

VOCÊ TEM PEDRAS OU PORTAS NO SEU CAMINHO ? O rio das perdas.



Hoje pela manhã li um texto de Lya Luft sobre um grupo de psicólogos que trabalha num grande hospital e lhe solicitou uma palestra sobre perdas: O rio das perdas.

Um hospital é um local para pessoas que estão cuidando de alguma doença. Local onde se busca cuidar ou trazer de volta a VIDA.

Mais do que o texto em si, o título ficou ressoando em minha cabeça: “O rio das perdas”. E um trocadilho com a palavra perdas, ressoava também: pedras...pedras e perdas, perdas e pedras.

Lembrei do poema sobre a pedra no caminho de Drumond: “no meio do caminho havia uma pedra. Havia uma pedra no meio do caminho da VIDA”. Passei um tempo refletindo sobre perdas e pedras. E me lembrei da paráfrase de Castro: “Uma porta no meio do caminho”: no meio do caminho tinha uma porta... e o trecho onde ele cita Içami Tiba: “Para a vida, as portas não são obstáculos, mas diferentes passagens. (…) Mas a vida também pode ser dura e severa. Se você não ultrapassar a porta, terá sempre a mesma porta pela frente. É a repetição perante a criação, é a monotonia monocromática perante a multiplicidade das cores, é a estagnação da vida."
Passagens, rios... lembram correntezas. Pedras que são levadas pelas correntezas das águas.

Na vida, enquanto vamos vivendo ocorrem muitos fatos que empedram as emoções. Essas pedras, obstruem a livre circulação e a passagem da VIDA, o sangue que circula pelo corpo e o mantém VIVO. Tal qual no sistema circulatório, onde pode ocorrer obstruções que podem levar a um infarto do coração, na vida essas pedras emocionais que obstruem o caminho, podem levar a diferentes infartos: o infarto das relações, o infarto da família, o infarto da vida profissional, o infarto da felicidade, etc.

Mas ao invés de pedras no caminho da vida, podemos buscar encontrar, enxergar e abrir as “portas no caminho”. Amigos, novos relacionamentos, novos projetos de vida, recomeços e partidas podem ser “portas no caminho”. Precisamos abrir portas no caminho da vida, quando as pedras no caminho estão obstruindo passagens. Uma porta é apenas uma porta. Para você entrar, você precisa encontrá-la e abrí-la. Ela poderá ser encontrada e se manter fechada, até que alguém resolva abrí-la e entrar por ela. Podemos substituir as pedras no caminho por portas no caminho? Escutei uma frase dias atrás que me chamou muito a atenção: “Há pessoas que ficam lambendo as próprias feridas”. Sentem prazer em ficar ali se lambendo e não vão em busca de cura.

Fortes correntezas de águas podem lavar e levar as pedras do caminho. A água é símbolo de lavagem, limpeza, purificação. Na vida, há momentos em que as situações se estabelecem como verdadeiras fortes correntezas. Correntezas que levam... correntezas que limpam... correntezas que desobstruem as pedras do caminhos e limpam a área para que as águas voltem a correr desimpedidas. São águas purificadoras.

E pensando em águas purificadoras me vem à mente a imagem do choro que limpa a alma. Dizem que o remédio do luto é choro. O choro que lava a alma. E depois dele, quando ele seca, a alma sente-se lavada e a dor da perda se vai. Rio de perdas que passa pela vida.

Na Bíblia há um texto de esperança: “Os que com lágrimas SEMEIAM, com júbilo ceifarão”. Tem choros que são necessários. Como escreveu Judith Viorst: Há perdas que são necessárias, “Perdas Necessárias”. A perda da infância por exemplo, ou... a perda de vícios, ou a perda de PESOS: são perdas necessárias. Para crescer é necessário perder... deixar ir certas coisas, comportamentos e sentimentos. Mudar!

Quero trocar perdas e pedras por portas no caminho a partir de hoje. Abrir portas e entrar por elas. Portas... portais... que me levem renovadamente de volta para o fluir da VIDA.

Castro lembrou em seu artigo intitulado “Uma porta no caminho” que “há um milagre narrado no Evangelho de Marcos, capítulo 7, que apresenta Jesus curando um surdo-mudo: 'Depois de levá-lo à parte, longe da multidão, Jesus colocou os dedos nos ouvidos dele. Em seguida, cuspiu e tocou na língua do homem. Então voltou os olhos para o céu e, com um profundo suspiro, disse-lhe: ‘Efatá!’, que significa "abra-se!'. Com isso, os ouvidos do homem se abriram, sua língua ficou livre e ele começou a falar corretamente”. ‘Efatá’ é uma palavra do aramaico, língua falada por Jesus, e próxima do hebraico. Esta expressão faz parte do mesmo grupo de palavras ligadas ao sentido de abertura. Jesus não se limitou à cura de uma deficiência física. Ao dizer ‘Efatá’, ele apontou para algo além da abertura da boca e dos ouvidos. Abriu uma porta e deu àquele homem a possibilidade de uma nova vida.”

E por falar em homens, essa semana estava lendo o livro “A grande aventura masculina”. Nesta obra, o autor apresenta sua tese de que “tornar-se homem é a grande e mais perigosa incumbência da vida de um homem.” E lembra a importância fundamental de um pai na vida de um menino: um homem se torna homem na convivência com outros homens. Ele defende que a maior herança que um pai pode deixar para seu filho é a sua demonstração de masculinidade. Contudo, adverte ele: nosso tempo parece ser um tempo sem pai, um tempo de meninos órfãos de pais. E o grande numero de lares constituídos por mulheres como as responsáveis pela criação de filhos em nosso país leva-nos a concordar com a ideia do autor. E para ele, temos hoje muitos homens inacabados, meninos vivendo em corpo de homem, mas que não foram iniciados no caminho de aprenderem a tornarem-se homens, pois para ele a iniciação masculina é uma “JORNADA”, uma série de muitas experiências entrelaçadas que servem de guia, iniciação para que meninos tornem-se homens, passando e crescendo pelos vários ESTÁGIOS da vida, desde a infância até a velhice, desde saberem na meninice que são filhos amados, até chegarem a serem SÁBIOS na velhice. Afinal, qual é a tarefa e a contribuição de um idoso, senão a sua SABEDORIA, depois de ter vivido intensamente as diferentes etapas de sua vida? Diz o autor: “o resultado de termos abandonado a iniciação masculina é um mundo de homens inacabados, e não iniciados”.

Mas na imperfeição característica da vida humana, podemos pensar também sobre as mulheres . É preciso pensar no processo pelo qual uma mulher aprende a verdadeiramente tornar-se mulher: o processo da iniciação feminina? O assunto me lembra o livro “Mulheres que correm com lobos”. Nele CLARISSA PINKOLA ESTES, tal qual JOHN ELDREGE em seu livro “A grande aventura masculina”, abordam respectivamente, ela sobre o resgate do ser mulher e ele, sobre a iniciação masculina dos homens, contando e relembrando histórias. Ela, relembra histórias seculares, ele, faz o mesmo relembrando histórias contidas na Bíblia e contando as suas próprias histórias de vida.

Lembro-me de uma pergunta de Aquarela no poema “Aprendendo a ser feliz”: “Vida! Que vida é esta que não ensinou a maioria a viver?” É preciso então aprender... se queremos não apenas sobreviver... mas... VIVER! Precisamos reconhecer que somos aprendizes, e adotarmos uma postura de seres ensináveis diante da vida. Aprendentes que deixam as correntezas levarem as pedras das experiências e emoções embrutecidas. Aprendentes que abrem novas portas e criam coragem suficiente para entrar por elas. Aprendentes da VIDA que deseja ser vivida e não apenas sermos sobreviventes, pois viver, é muito … mas muito mais do que apenas SOBREVIVER.

E assim vamos seguindo a vida … “numa passarela de uma Aquarela, que um dia enfim... des-co-lo-ri-rá.” (Toquinho).

                                            A alegria e a dor são como um tecido espesso,

uma veste para a alma.

Sob cada angústia e sofrimento

perpassa a alegria, como fios de seda.

Está certo que seja assim,

O homem foi feito para a alegria e para a dor,

e quando nos convencermos bem disso,

caminharemos mundo a fora.

(Rubens Correa)
referências:
CASTRO, C. P. Uma porta no meio do caminho.
ELDREDGE, J. A grande aventura masculina.
ESTÉS, C. S. Mulheres que com lobos.
Bíblia.
Fonte de imagem:

quarta-feira, 4 de junho de 2014

APRENDENDO A SER LEVE no contexto da família

 

(Texto construído a partir de uma interpretação livre 
 da mensagem compartilhada pelo Rev. Edison Primo
na III IPI de Curitiba em 31 de maio de 2014)


"Venham a mim, todos os que estão cansados e sobrecarregados, e eu lhes darei descanso.
Tomem sobre vocês o meu jugo e aprendam de mim, pois sou manso e humilde de coração, e vocês encontrarão descanso para as suas almas.
Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve".
                                                          Mateus 11:28-30 (NVI)


Vocês estão cansados, enfastiados de religião?
                                                                    Venham a mim! 
Andem comigo e irão recuperar a vida. 
Vou ensiná-los a ter descanso verdadeiro. 
Caminhem e trabalhem comigo! 
Observem como eu faço! 
Aprendam os ritmos livres da graça! 
Não vou impor a vocês nada que seja muito pesado ou complicado demais. 
Sejam meus companheiros e aprenderão a viver com liberdade e leveza”.
(Mateus 11:28-30 - Bíblia A Mensagem)

 

Leve, significa de pouco peso, fácil de mover ou movimentar-se, termo contrário a pesado, antonimo de sobrecarga.

Jesus nesta passagem bíblica
(que aborda a questão da espiritualidade e não da religião pregada pelos fariseus de sua época) 
está perguntando aos seus ouvintes:
Vocês querem ser leves? Estão cansados? Sentem-se sobrecarregados?

Caso a resposta seja afirmativa, dá-lhes uma direção:
“Sejam meus companheiros e aprenderão a viver com liberdade e leveza” (Mt. 11:.30).


Há pessoas e famílias sobrecarregadas com cargas pesadas demais nesta vida. Estão a evitar que o peso da vida, da matéria, as esmague. Buscam diferentes caminhos para o alívio desses fardos.  Por vezes já realizaram sua busca em muitos recursos e diferentes espaços sociais que a vida oferece, na tentativa de encontrar caminhos na lida com os problemas cotidianos. A espiritualidade oferece saídas que são de uma outra lógica diferente da lógica material. Envolve o exercício da fé. É uma outra forma de conhecimento e intervenção na vida. Dentro desta lógica espiritual, Jesus oferece o caminho: “Venham a mim”. “Caminhem comigo”. Esse convite dá uma ideia de leveza que é criada... na caminhada.

Ser família é relacionar-se (exercitar-se? aperfeiçoar-se? mover-se?).
E uma relação entre dois ou mais seres humanos complexos é sempre uma empreitada pelos meandros da complexidade, um desafio! Mas não um desafio impossível, e pode ser um desafio passível de êxito, segundo as orientações do Cristo: “Eu vou ajudar vocês. Vou tornar leve o fardo e o jugo que carregam”. Jesus promete ser PRESENÇA atenciosa e ativa.

Para Primo, na prática ocorrem 3 mudanças no contexto da família quando seus membros trocam o jugo pesado que carregam pelo jugo de Jesus:
 
       1.  As pessoas passam a valorizar mais as RELAÇÕES com PESSOAS do que as coisas (coisas   de todos os tipos!).

       2.  As pessoas obtém conforto, segurança e tranquilidade, mesmo nos momentos difíceis, pois podem ter a confiança de que não estão sozinhas – Jesus (o seu mestre) está com eles. É sua fonte de resiliência – O TOTALMENTE OUTRO (Deus) é o outro significativo com quem eles podem contar.

       3.  Dentro do lar, as pessoas passam a manifestar Deus em SENTIMENTOS e ATITUDES (por exemplo, perdoando – que é um comportamento muito diferente da lei do “olho por olho e dente por dente").
 
 
    O texto aborda o termo canga ou jugo. Segundo Primo, na canga ou jugo, seguem dois bois. O boi mais experiente vai direcionando o caminho do mais fraco e inexperiente. Simbolicamente este mais experiente é Jesus Cristo, aquele que guia e auxilia a levar o fardo da vida. Tal qual também nos lembra o poema "Pegadas na areia".
 


Nos dias atuais, a utilização de metáforas ligadas ao ambiente rural pode não ser algo tão comum, pois o contexto urbano no qual vivem a maioria das famílias atualmente, é um contexto diferente deste. Porém, muitas das parábolas contadas por Jesus e narradas na Biblia utilizam símbolos do contexto rural, que era o contexto da época em que elas foram formuladas e contadas.

Há um convite realizado por Jesus neste texto. Um convite, é apenas um convite. Quem o recebe pode ou não responder positivamente. Mas essa é uma possibilidade: responder afirmativamente ao convite à leveza. De onde ela vem? Das facilidades da vida? Não. Da segurança de que nas dificuldades da vida os membros da família não estão sozinhos; podem contar com o Cristo que os ajuda a seguir com leveza.
Se formos observar o contetxto atual, na prática, atualmente, leveza não é um termo muito associado ao Cristianismo. Tal qual os fariseus na época de Jesus enfatizavam a lei duramente, por vezes a religião cristã deixou a sua essência em segundo plano. Ela deu ênfase demasiada à dureza da lei e dos rituais religiosos, em detrimento da vivência das Boas Novidades da graça, trazida pelo Evangelho proclamado pelo Cristo. Mas este texto bíblico é claro, Jesus afirma: “Aprendam os ritmos livres da graça! Não vou impor a vocês nada que seja muito pesado ...”

É possível trocar um jugo pesado por outro mais leve. Trans-formar-se! A vida pode ser mais leve. A vida cristã pode ser leve. A vida em família pode ser leve. Isso é uma possibilidade aberta à todas as famílias. Não precisamos nos comportar como se fossemos imutáveis "cemitérios de automóveis enferrujados" (CALVINO, 1990).
 
O convite já foi feito. Porém, esse texto trata da questão da espiritualidade, esse é um assunto de fé, e pede uma resposta de fé. Uma resposta que só pode ser dada afirmativamente por alguém que crê na leveza como uma promessa, uma possibilidade, a partir do convite realizado e da direção dada pelo Cristo: “Venham a mim. Eu vou aliviar a carga de vocês.


REFERÊNCIAS
Mensagem transmitida por Edson Primo na III IPI de Curitiba, 31 de maio de 2014.
Bíblia NVI
Bíblia A Mensagem
CALVINO, Ítalo. Leveza. In: _____. Seis propostas para o próximo milênio. SP: Companhia das Letras,1990.

REFERÊNCIAS DAS IMAGENS:
1 http://br.freepik.com/vetores-gratis/familia-silhuetas-sombra-danca-preto-branco-inteligente-fundo-vetor-vida-livre_675612.htm
https://www.facebook.com/BrasilAline/photos/a.315223025223738.76294.268690599876981/684033338342703/?type=1&theater 
http://madujazz.wordpress.com/2010/11/28/vinde-a-mim/

 
Flávia Diniz Roldão
Teóloga. Psicóloga. Pedagoga.