quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Vou sorver a vida até a ultima gota


"Vou sorver a vida até a ultima gota" - afirma  Douglas, um homem abandonado pela esposa, em discurso, no delicioso filme "O Exótico Hotel Marigold 2".

Lembra-me um trecho do poema de Lya Luft: "Bem que eu queria dormir, mas isso que não esqueço, me chama a noite inteira..."

Você tem algo como um - "...isso que não esqueço..." - e que lhe chama a noite inteira?

Estes são os nossos verdadeiros "motores" de vida. Isso que não esquecemos e que nos impulsiona a "sorver a vida até a última gota". 

O filme é sobre a VIDA! Sobre ESCOLHAS  e GENEROSIDADES, RELACIONAMENTOS.

Evelyn, uma idosa absolutamente ativa, e em total apropriação da VIDA, indaga algo que bem poderia ser uma indagação de todos nós:
"-Quantas vidas novas podemos ter?"
E responde para si mesma:
"Quantas quisermos! Enquanto der!"
Ela brinda a vida... vivendo!

No livro "O desenvolvimento adulto de C. G. Jung", Staude faz a seguinte citação:
"O mundo todo é um palco,
E todos os homens e mulheres, simples atores,
Que nele entram, e dele saem.
E cada homem, por sua vez, representa muitos papéis,
E seus atos correspondem a sete idades. Primeiro a criança,
Choramingando e vomitando nos braços da babá.
Depois o lamentoso estudante, com sua mochila
E seu brilhante rosto matinal arrastando-se como uma lesma
Para a escola, a contragosto. E depois o amante,
Suspirando como uma fornalha, com uma balada chorosa
Feita para os olhos de sua amante. Depois um soldado,
Cheio de estranhos juramentos e com barba de leopardo,
Ciumento na honra, rápido e vivo na luta
Buscando a falsa reputação
Mesmo na boca do canhão. E depois o juiz,
Com o estômago bem forrado com capão
Com olhos severos e barba bem cortada
Cheio de provérbios sábios e de exemplos modernos;
E assim ele representa o seu papel. A sexta idade muda de roupa,
Muda para pobres pantalonas descarnadas,
Com óculos no nariz e bolsa de lado;
Sua ceroula juvenil bem guardada, um mundo demasiadamente grande
Para a sua minguada parte traseira, e a sua grande voz varonil.
Voltando-se de novo ao som agudo da infância,
Chia e assobia ao falar. A última cena,
Que conclui essa estranha história aventurosa,
É uma segunda infância e um mero esquecimento,
Sem dentes, sem olhos, sem gosto, sem nada."

E Lya Luft em poema pergunta:
"-Devo largar minhas perdas que ficaram na soleira entre o passado e o recomeço?"

Afinal, refletimos nós: "De que é feita a vida, senão de perdas e ganhos? Momentos. Escolhas. (E consequencias!).

Diferente da reflexão citada por Staude em seu livro, atualmente a última fase da vida para muitos que têm a graça de chegarem a ela com saúde suficiente para continuar vivendo e não apenas sobrevivendo, desfrutam estes de uma prolongada vida ativa, longe de ser parecida com uma segunda infância.... sem dentes. Porém muito provavelmente, não sem desafios, os desafios próprios da experiência de viver.

No ciclo da vida, não apenas na velhice, nós humanos vamos nos indagar sobre a nossa vida e os papéis que nela desempenhamos, tal como os personagens idosos do filme, e como Luft em seu livro "Para não dizer Adeus". Dentre outros possíveis momentos reflexivos, a meia idade é semelhantemente um tempo de reflexões... vida... apropriações, desapropriações e... recomeços. Desafios! Escolhas (e consequencias!). 
Ninguém quer errar consigo mesmo... sempre buscamos acertar. Mas nem sempre... acertamos nas escolhas realizadas na caminhada.

A meia idade é um tempo desafia-dor, 
Quem sabe seja para alguns, um tempo para "viver a vida não vivida" como propõem os autores Johnson e Ruhl. Um tempo para "reconhecer nosso talento e nosso potencial em sua totalidade" (idem).
Afinal, para tudo o que escolhemos viver até essa etapa da vida, outro tanto ficou "não vivido". Toda escolha demanda uma perda. E disso é feita a VIDA de cada um de nós, de ganhos e perdas, possibilidades perdidas e escolhas .
E segundo Johnson e Ruh, "A vida não vivida 'não desaparece' apenas por falta de uso, ou ao ser deixada de lado ...ao contrário... vai para o subterrâneo e se torna problemática, sendo algumas vezes muito perturbadora - conforme vamos envelhecendo."
Essa é a aventura do viver! Uma aventura que as vezes pede "re-visão".

Porém... fica a questão: "Você está disposto(a) a sorver a vida até a última gota?" Rever a vida tantas quantas vezes for preciso? Recriar, reconstruir, integrar partes de si que ficaram perdidas na caminhada da vida? Apropriar-se da autoria de sua história com todas as perdas e ganhos nela implicadas?

Ainda com Lya Luft, podemos colocar palavras que ilustram as vivencias de muitas pessoas que estão nesta etapa da vida:

"Quando pensei que estava tudo cumprido,
havia outra surpresa: mais uma curva
do rio, mais riso e mais pranto.

Quando calculei que tudo estava pago,
anunciaram-se novas dívidas e juros,
o amor e o desafio.

Quando achei que estava serena,
os caminhos se espalmaram 
como dedos de espanto

em cortinas aflitas. E eu espio,
ainda que o olhar seja grande
e a fresta pequena." 


REFERÊNCIAS:
JOHNSON, R. A. e RUHL, J M. Viver a vida não vivida. Petrópolis: Vozes, 2010.
LUFT, L;. ÕNUS. In:. LUFT, L, Para não dizer Adeus. 3 ed. RJ: Record, 2005.
_____.Todas as águas. In:LUFT, L, Para não dizer Adeus. 3 ed. RJ: Record, 2005.
SHARP, D. Ensaios de sobrevivência: anatomia de uma crise de meia idade. SP: Cultrix, 1995.
STAUDE, J. O desenvolvimento adulto de Jung. SP: Cultrix, 1995.


Flávia Diniz Roldão
psicóloga
CRP 08/15268


sexta-feira, 16 de outubro de 2015

É preciso construir a sua própria experiência de envelhecimento



"Quem quer mudar o mundo precisa primeiro mudar a si mesmo." (Sócrates)


Todos estamos envelhecendo. Como seres humanos, somos seres de escolhas e intervimos em nosso futuro. É preciso/possível (dentro de certos limites e naquela parte da vida sobre a qual temos influência) escolher como queremos envelhecer.

Queremos envelhecer-SENDO?


O filme "Um senhor estagiário", aborda brilhantemente as diferenças intergeracionais e a ação intensional humana sobre o seu próprio processo de vida na terceira idade.
Mostra que não é preciso aceitar passivamente o movimento da vida, que por vezes nos empurra à margem dela. Seres humanos são seres de ação intensional e reflexão, seres de escolhas, possíveis de intervir sobre o seu próprio curso de vida.
Claro que... pra isso é preciso ter energia canalizada e vontade. Desejo. Mas "o desejo tem idade?" 



Somos seres de necessidades. E em busca da satisfação destas, temos a possibilidade de agir sobre o mundo... e sobre nós mesmos. Aliás, as vezes o agirmos sobre nós mesmos é um desafio maior do que o agir sobre o mundo, pois afinal, tudo começa com o desejo e a necessidade. Quem toma consciência dos seus desejos e suas necessidades, terá maiores probabilidades de agir sobre eles com criatividade, imaginação, e o uso de instrumentos físicos e psíquicos no processo de construção da sua realidade. Seres humanos são seres dinâmicos, seres em movimento e mudança. Enquanto há VIDA, é preciso FAZER A GESTÃO dela.



O filme destaca que a experiência dos idosos pode ser sabia e dinamicamente bem aproveitada. Trata do sensível tema da APOSENTADORIA, ou quem sabe melhor dizendo... da DES-APOSENTADORIA intencional. Expõe brilhantemente a inteligência das trocas intergeracionais na construção da vida humana. Vida que não pode cessar enquanto há respiração para não MORRER EM VIDA.


Cada dia é um dia NOVO, quando as pessoas estão abertas, atentas e ativas no processo de construção contínua da sua história de vida. Vida mediada pelas condições sócio-históricas que precisam ser enfrentadas no embate concreto do cotiano. Porém, as relações que estabelecemos com os outros, com os fatos e com a cultura na qual estamos inseridos, é sempre uma possibilidade aberta para a realização de novos movimentos de vida.
O filme lembrou-me uma história real, a da psiquiatra Nise da Silveira, que conforme relato, volta a trabalhar após aposentada no Museu Imagens do Inconsciente, que ela própria ajudou a criar por ocasião de seu trabalho regular.


Seres humanos são seres intencionais. Capazes de fazerem as coisas acontecerem. Capazes de agirem sobre sua realidade transformando-a, e transformando a si.


Somos seres de relação. Influenciamo-nos uns aos outros mutuamente neste processo. Deixamos marcas na vida - nas nossas e nas dos outros com os quais convivemos.



Criamos história. A nossa, e ajudamos a criar outras histórias, participando das histórias dos outros.
Não podemos nos EXIMIR DA TAREFA DE VIVER. Só podemos escolher COMO vamos viver a nossa vida (e lidar com as limitações impostas).


William Ury, co-fundador da Harvard Negotiation Project, especialista em negociação, dá uma dica sobre como negociar consigo mesmo. Destaca que a auto-observação é a base para o domínio de si mesmo. E pergunta: "Quantos ouvem regularmente a si mesmos com empatia e compreensão - com a mesma solidadriedade de um amigo de confiança?" Já cantava Roberto Carlos: "É preciso saber viver!"
Retoma Ury:"Três iniciativas podem ser úteis: primeiro, procure se distanciar de si mesmo e se ver a partir 'do camarote'. Segundo, ouça com empatia seus sentimentos mais recônditos, mais íntimos, para intrerpretar o que eles realmente lhe dizem. Terceiro, MERGULHE ainda mais no SEU INTERIOR e DESCUBRA quais suas NECESSIDADES MAIS FUNDAMENTAIS."

Concordo com Ury que afirma ser preciso "obter sucesso na disputa mais importante de todas - o jogo da vida."


Finalizo o diálogo estabelecido comigo mesma ao término deste filme, lembrando um poema de Lya Luft:


PERDER E GANHAR
(Lya Luft)

Com as perdas, só há um jeito:
perde-las
Com os ganhos,
o proveito  é saborear cada um
como uma fruta da estação.

A vida, como um pensamento,
corre à frente dos relógios.
O ritmo das águas indica o roteiro 
e me oferece um papel:
ABRIR O CORAÇÃO COMO UMA VELA
ao vento, ou pagar sempre a conta
já VENCIDA.

REFERÊNCIAS:
BRUNS, M.A.T.O desejo tem idade? In: _____. e DEL-MASSO, M.C.S. Envelhecimento Humano: diferentes perspectivas. Campinas, SP: Alínea, 2007.
LUFT, L. Para não dizer adeus. 3 ed. RJ:Record, 2005.
URY, W. Como chegar ao sim com você mesmo: o primeiro passo em qualquer negociação, conflito ou conversa difícil. SP: Sextante, 2015.
Filme: Um senhor estagiário.
Imagens coletadas na internet.

Flávia Diniz Roldão
CRP 08/15268
Psicóloga 
Atendimento individual, de Casais e Famílias.
flaviaroldao@gmail.com 

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

IDOSOS: Ser ou não ser - eis "a" questão!




Idoso: "ser ou não ser , - eis a questão"! (William Shakespeare)


Conforme a ideia de alguns intelectuais, tal qual Paulo Freire, as pessoas não são, elas estão! Pois a vida é dinâmica e muda (e as vezes bem depressa!). Como escreveu Mario Quintana, no poema "O Tempo", quando se vê... a vida já passou...




A vida é como uma peça de teatro que não permite ensaios - destacou Charles Chaplin.

Somos mutantes. Somos o que fizemos, e principalmente, "estamos sendo" o que fazemos da nossa vida a cada momento.

Se tratamos alguém com violência, estamos nos tornando uma pessoa violenta, se mentimos a alguém estamos nos fazendo mentirosos, mas, se ao contrário tratamos o outro com gentileza, honestidade, atenção e cuidado, nos tornamos concretamente na prática, uma pessoa gentil, honesta, atenciosa e cuidadosa.

 Estas ações vão fazendo de nós quem vamos sendo, quem vamos nos tornando a cada dia concretamente.Na vida as coisas podem mudar sempre, e a qualquer momento!  E assim, vamos construindo nossa história de vida, num livro, que jamais uma página virada se repete absolutamente igual à outra (ou que se repete! - embora não absolutamente igual - por pura teimosia de nossa não atenção e cuidado com a nossa própria história de vida).

Ser ou não ser? - Eis a questão que não pode ser negligenciada especialmente na última etapa da vida - quando pela própria lógica do envelhecimento, não nos resta "todo" tempo.

Mas o tempo que resta pode ser vivido com qualidade. Somos (em parte) arquitetos do nosso tempo, da nossa história... de VIDA. Para isso, é preciso ter para consigo mesmo uma atitude atenciosa. É preciso fazer revisões na vida quando necessário. Abrir mão de coisas, ir atrás de outras coisas novas e diferentes. Ser proativo.

A vida só termina quando damos o último suspiro. Mas é preciso atenção... pois alguns "vivem sem viver", vivem como se estivessem mortos, vivem sem qualidade de vida,verdadeiros "mortos vivos". Isso é possível? Claro, não apenas possível, mas, é uma experiência de vida que não é tão incomum. E vale ainda lembrar os "suicídios silenciosos" que ocorrem através do comportamento autodestrutivo de algumas pessoas no dia a dia.

A vida passa ligeiro...
"Ser ou não ser? - Eis a questão de reflexão fundamental para as pessoas a partir da meia idade, e especialmente, para os idosos. 

O que você está fazendo da sua vida?

Você tem se tornado a pessoa que gostaria de ser nesta vida?

Você aprecia a pessoa que estás sendo?

Quais tarefas ainda desejas completar nesta "passageira" vida?





Fonte das imagens: 
http://www.imagem.eti.br/clipart/amor_6.html 


Flávia Diniz Roldão
(Psicóloga. Atua na psicologia clinica com idosos e famílias. Trabalha com a disciplina "Psicologia da Terceira Idade". É professora colaboradora em programas de Educação Permanente de Idosos no formato Faculdade Aberta da Terceira Idade.)
contato: flaviaroldao@gmail.com 

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

GENER(A)TIVIDADE



Da fecunda interconecção
Dos "supostos" diferentes
Nasce a conexão criativa

(Se fará mutamente recursiva?)

Re-combinação de dados
Anteriormente jamais imaginados
Mas nem por isso inexistentes
Possibilidades latentes

Conexão generativa
De surpreendentes
Novos modos de existir

Superação dos padrões de linearidade
Autotranscendência evolutiva do sistema
Em novas conexões complexas
Antes inexploradas
Por fixação de fronteiras rígidas

A nova permeabilidade
Nascida do afofar a vida
Acolhendo a flexibilidade
Recém exercício de amplitude

Capturou 
E construiu
Novas possibilidades

A existência se expandiu
Expressando renov-ação
Mais uma vez
Se afirmou a VIDA!



Flávia Diniz Roldão
Psicóloga, Pedagoga e Teóloga
flaviaroldao@gmail.com